Berlin Alexanderplatz

Um filme chocante. Perturbador. Brutal: Burhan Qurbani repensa o romance clássico de Alfred Döblin para os nossos tempos, o mesmo livro de 1929 imortalizado na adaptação de Fassbinder, a mesma história de Francis, de como ele chega em Berlim; de como ele entra nessa cidade triste; de como tropeça, cambaleia e cai; de como Berlim se torna sua ruína e como ele finalmente ressuscita como uma pessoa melhor, mas aqui atualizado para a geração Coca-Cola, muito neon punk e música eletrônica, o discurso também mais moderno, um jogo de (re)interpretação que fecha a história no mesmo ponto que começou: o conto de um homem que tenta ser decente, mas a vida não o deixa. E afinal, “não é fácil retirar o diabo quando você mesmo o convidou.”

No espírito é a mesma história, mas o detalhe está na pele: O filme abre em respiração ofegante, fogo no céu e O QUE FICOU PARA TRÁS, ainda é a história de Francis, dificilmente ainda humano, meio vivo, meio morto. Ainda é o homem que faz um juramento – “Pai, todo poderoso Deus, juro a você que, de agora em diante, quero ser bom. Quero me tornar uma pessoa nova, honesta” – você ainda verá como Francis vai à Berlim, os três tropeços, as três pancadas, e de novo se levantar e sucumbir na cidade, “pois ele exige mais da vida do que apenas uma cama e um sanduiche”. Ele ainda sobrevive, embora seja uma prorrogação. A diferença é o boi, essa alma ancestral que surge do nada para selar o destino. E o boi sempre vai ao matadouro. Francis agora é um negro de Bissau. Ele é refugiado, outrora traficante, ladrão, cafetão, mas não assassino (?)

E assim, Qurbani situa seu filme em (outra) comunidade estruturalmente discriminada e desacreditada. Sim, ainda é o mesmo Franz da década de 30, um pequeno criminoso e trabalhador casual na escória da sociedade, mas essa nova versão ganha uma roupagem diferente, novas camadas para discutir as estruturas do racismo, o desequilíbrio de poder, a corrente da opressão… E ao escolher um protagonista negro frente à um antagonista branco, a história assume inclusive ares de alegoria pós-colonial.

Todos sabem, o protagonista tem fome de viver, a arrogância de querer se tornar parte da burguesia. O próprio diretor como filho de refugiados afegãos sente a mesma fome. E é essa fome que atrai o diabo. Leva Franz, Francis, o cineasta e o público em diferentes encarnações até que todos estejam despedaçados, esvaziados ou renascidos. Todos os temas estão ali, a história de culpa e recomeço. De sacrifício e redenção. O voto de se tornar um homem melhor. O enredo do crime, que também estrutura o romance. E acima de tudo, o destrutivo ménage à trois entre os amantes Franz, Mieze e Reinhold, senão a eterna metáfora de Eros e Thanatos, amor e morte. O diabo, no entanto, está nos detalhes: Qurbani por mais faminto que esteja, não é Fassbinder. Seu filme, sem dúvida é ambicioso, mas não supera o original.

RATING: 70/100

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FILMES · BERLIM · MOSTRA SP

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