Mate-o e Deixe Esta Cidade

Eis O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON em polonês, rabiscado e animado as pressas, um esboço de história, um borro de vida a passar pela janela do trem, muito rápido, muito vertiginoso, um fluxo de ideias e pensamentos moribundos, o tom sempre amargo, a trilha num eterno rock´n´roll, o vermelho para destacar e costurar os fragmentos, aqui e acolá, enquanto o cineasta anima o mais decrepito, seu personagem (que personagem?) fugindo do desespero, correndo para longe e depois de perder os entes queridos, logo se tornar o herói-criador, o menino atrás dessA HISTÓRIA SEM FIM, donde o tempo parou e a projeção se passa. Então, Mariusz Wilczynski idealiza um filme cidade imaginária e com ele, abobalhados, como outrora Bastian ou Atreyu, deixamos nos levar pelo barco melancolia, “vou-me embora pra Pasárgada”, porque “lá sou amigo do rei”. E o barco vai indo, indo bem longe nesse pequeno conto de fadas. Contos da cripta.

MATE-O E DEIXE ESTA CIDADE é o filme de estreia (ou da vida?) de um diretor completamente em nostalgia: A sensação de vazio, de solidão, a alma dessa cidade fictícia que levou quase 15 anos para ser animada e donde ali, vivem os pais, os amigos que se foram, os heróis literários e os ídolos da infância… pessoas que Mariusz não teve tempo de beijar ou abraçar antes de morrerem, de lhes dizer que os amava, pois estava sempre ocupado nos próprios assuntos, muitas vezes triviais, do dia a dia. E agora, nessa pequena história íntima de conversas inacabadas com a mãe, com o pai, tantos outros, todos vivendo nessa cidade cinza, sombria, cheia de chaminés, proletário e tristeza, se faz (ou tenta) algo belo. A cidade que atrai e repele. A cidade da infância. Dos vivos e dos mortos.

E presos nessa consciência, vamos pelo trem-fantasma do pensamento, no desenho enganosamente contente e gentil para, de repente, fugir pelo esgoto. “Esgoto é uma palavra e tanto: um tubo de ferro enferrujado com menos de um metro de largura, sem oxigênio, tateando pelo escuro. De quatro. Excremento flutuando na urina. Vômito, fedor. Meu pé enroscou em algo, tentei soltá-lo, mas estava preso. Quando finalmente o soltei, estava coberto de carne podre. Não sei por que milagre consegui rastejar até o centro da cidade. Não entendo como eu consegui sobreviver” . Mas sobrevivemos e logo a luz se apaga e outra história, não aquela do verão indiano ou alguma do rato Mickey. É uma de avós no trem, então era uma vez na Polônia, “dois soldados que atraíram minha cadela do nada. Eles apareceram no portão. Não entendi o que diziam, me escondi, e foram atrás da cadela. Eles a acariciaram, jogaram uns pauzinhos e a amarraram numa arvore. Primeiro eles atiraram numa pata, cada um fumava um cigarro. Daí em outra pata. Aí comeram sanduiches de presunto que tinham nos bolsos e jogaram uns pedaços de presunto para ela. E depois atiraram na terceira pata e riam, enquanto o bichinho rodava em círculos engraçados. Não queriam nem acabar com ela. Quando foram embora, eu fiquei abraçado a cadela até de noite, até ela morrer de hemorragia” .

Não deveria ser assim, tão triste, mas acaba sendo porque é um filme de pessoas que se foram, partiram. Mesmo quando sorriem, não estão sorrindo. Para o diretor, esse é um “filme sobre nós, como éramos, as pessoas que não somos mais e quem realmente gostaríamos de ser novamente”. Gente que adentra o filme, vêm morar ali, sem ser convidado e ficar na memória. O tempo passa e envelhecemos, esse filme nos envelhece e lá de Pasárgada queremos voltar, viver o que nos resta intensamente. Daí o título, tão oportuno: mate-o e deixe esta cidade. Sim, vá viver.

RATING: 71/100

TRAILER

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ANIMAMUNDI · REVIEW · BERLIM · MOSTRA SP

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