Um matadouro em Budapeste é o cenário de uma história de amor estranhamente bela. Uma história de amor que é um pouco sobre todos nós, que transita pelo mundo, a realidade e os sonhos. E essencialmente fala de afeto. DE CORPO E ALMA, de noite e de dia, Ildiko Enyedi filma apaixonadamente uma história sobre a condição humana, de como as pessoas vem e vão em nossas vidas sem ao menos temos a oportunidade de conhece-las. Filma o mais delicado, a descoberta, as sensações a transbordar pelo ser como um poema de Agnes Nemes Nagy, “O coração, uma chama flamejante para iluminar, o coração, em poderosas nuvens de neve, e ainda dentro, enquanto flocos se arremessam em seu voo, como chamas intermináveis de um brilho na cidade.”
Então, na tela, vemos duas pessoas reclusas, escondidas em sua superfície plácida, estéril, cinza. Quanta dor, desejo ou paixão, ali, dia após dia, andando pela rua, em seus afazeres e pensamentos, tão mudas e desajeitadas. Mas a noite, através dos sonhos, os mesmos sonhos, o estranho, o inusitado, uma lição de vida: De dia, abatem carne. À noite, abatem o coração. E eis O FEITIÇO DE ÁQUILA em húngaro, um conto sobre nascimento, amor e morte, seus rituais e seus mistérios, no cenário mais incomum possível.
Os protagonistas, Endre e Maria, não são apenas pessoas introvertidas. Eles estão feridos. Sua desvantagem é o sinal de sua saúde interior, mental. E nesse ambiente – não o matadouro, mas toda a sociedade –, eles reagem por instinto e segurança, como bois no abatedouro, como qualquer um. Ali, na vida, sentados pacificamente, em silêncio, à espera de algo, de qualquer coisa, enquanto o mundo gira e o universo conspira. Sim, eles estão vivos. Não sabem. Saberão.
E com eles, aos braços de Morfeu, o público compartilha um relacionamento mítico, embalados em realismo e sonhos. O paraíso filmado em idílio, na floresta, ao vento, a neve, os cervos, os sons, um ao outro, os olhares. Os pequenos gestos. Os encontros. A música doce acariciando cada rosto, o Sol a iluminar cada face, enquanto a câmera de Enyedi irradia, brilha, nos encanta. Basta ver, enxergar e amar.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Films Boutique, incluso notas de produção e entrevista com o diretor
RATING: 76/100
TRAILER