Na tela, na pista, nos porões, o cenário é o underground, a opera magma das noites nova-iorquinas que embalava o frenesi dos anos 60, um universo visual de música e subversão que abriu os mercados internacionais para o lado B do Post-Punk e, também, um dos filmes mais ambiciosos e pessoais de Susanna Nicchiarelli. É, senão, um “Femme Fatale” para os cinéfilos, os fãs, um electro-filme que segue vertiginoso pela vida de Christa Päffgen, pelas vibes, pelas raves, os vários homens, em sua derradeira turnê pela Europa, por Paris, Praga, Nuremberg, Manchester, também a Polônia e a Romênia, um Road-movie percorrendo as night houses, bufando heroína em cada superfície, sempre jovial, sempre vertiginoso. E enquanto isso, ao fundo, um ícone em seu último momento. Isso em 1988.
E, sim, basta uma única cena de garagem, toda a rouquidão de Trine Dyrholm, suas obsessões, amores e desamores, a música, o espasmo, o último ano da musa de Andy Warhol e da Velvet Goldmine para logo sentirmos um arrepio. Mas não é só isso… NICO 1988 se vende não só pela biografia, mas o retrato de uma artista, de uma mulher, de uma mãe. Sua história é o conto de um astro intransigente que encontra satisfação na arte somente depois de ter perdido a maioria dos fãs; De uma das mulheres mais belas do mundo que, finalmente, se torna feliz quando se livra dessa beleza. E nesse réquiem, a cineasta, através de sua protagonista, conta a história de muitas outras mulheres, porque tal parábola, embora extrema, narra também as mesmas dificuldades do gênero. E o faz com maturidade. Através de um show.
Nico é mencionada principalmente em associação com os famosos com quem dormiu ou em conexão com a experiência “Factory”, mas Nico foi mais e além e o filme se embebe dessa alma, toda a inteligência e ironia, a vitalidade e a energia com o qual Trine encarna sua “Venus in Fur”. Uma personagem difícil, controversa, às vezes desagradável, mas cujo desafio é torna-la amável ao público. E dessa atmosfera, de uma banda de perdedores a esmo pela Europa, isso entre o drama e a farsa, Nicchiarelli emoldura seu talento nos anos 80, no formato quadrado, analógico, na musica eletrônica experimental e melancólica. E nessa ideia de reinterpretar, reviver e reelaborar o mito, ela tenta, ao menos, torná-lo contemporâneo e universal, diria mais humano.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Celluloid Dreams, incluindo notas da Diretora
RATING: 71/100
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