







ANORA talvez seja o melhor filme de Sean Baker dentre sua (já) excelente filmografia de párias da sociedade. Sim, de novo o pobre povo americano, abandonado, miserável, perturbado e interrompido – mas sem queixas explícitas ou pretensões de denúncia social. Gente indomável que talvez seja viciada, que certamente recorra à prostituição quando necessário, e cujo passado permanece desconhecido; o foco está no presente, na narrativa – a mesma de TANGERINA, PROJETO FLORIDA e RED ROCKET, não importa – sempre um olhar pelo mais vulnerável e donde os protagonistas são figuras sobrecarregadas e distorcidas que nos fazem acompanhar os tropeços, torcer pela luta, até mesmo amar sua jornada. E de novo aqui, outro conto (de fadas?) que flerta com CINDERELA, MY FAIR LADY e MEU CASAMENTO GREGO: uma fábula pós-moderna (um tanto ingênua, por que não?) donde UMA LINDA MULHER de bom coração conhece jovem bilionário e tudo mudará para ela, para ele, para todos, a consagração de um entretenimento acolhido por palmas.
Então, era uma vez Anora, a jovem stripper, acompanhante ou simplesmente sonhadora, só isso, que encontra em Vania o que parece um príncipe encantado. Ele, rapaz russo, inconstante e hiperativo, que queima selvagem e destrutivamente a América de todas as maravilhas, muito mimado e maluco, muito álcool e todos os comprimidos possíveis em seu corpo por acaso se apaixona por ela. Na verdade, nada do que ele tem é realmente seu – tudo pertence ao pai. Mas, por ora, isso não importa. O filme segue em doce travessura, um romance cômico que, em determinado momento, na bravata de roteiro explode aos gritos, escândalos e comédia corporal; uma piscadela ao humor pastelão do screwball, aos mestres Ernst Lubitsch e Howard Hawks e aos diálogos nostálgicos superexcitados e exaltados, cujo texto, o berro, o sexo, Mikey Madison e Mark Eydelshteyn sabem tão bem conduzir. Uma química sem vergonha cuja única insolência – veja só – não está no trabalho sexual, tão pouco na origem criminosa da riqueza oligarca, mas na própria aniquilação do romantismo, esse desrespeito à promessa do casamento.
Assim, um cinema como viagem eufórica que termina no vale do luto, na ressaca existencial depois de uma overdose de prazer. Impressionante a mudança de tom, de cena, como o corpo quer ficar cada vez menor, protegido de tudo. O filme depois de um estrondo se acalma, se conforma. Como um show de cabaret, de uma noite onde rostos e luzes se misturam após os planos e prazeres corporais fugazes, até que ninguém entenda nada e depois adormece pela manhã. É a resposta de Baker ao sonho americano, o mesmo fetiche de desencanto cuja câmera segue testemunhando por tantos filmes, o momento doloroso em que sua personagem tem de acordar, levantar e seguir adiante.
RATING: 81/100

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