

Em LIMONOV: O CAMALEÃO RUSSO, Kirill Serebrennikov se atira, sem medo, na mesma revolução cinematográfica de INSIDE LLEWYN DAVIS, dos Coen, mas ao invés de se render à melancolia contida, ele faz o que só ele saberia fazer: explode a cena, se agita, se lança com a fúria punk que o caracteriza, criando um furacão visual. Com seus longos planos-sequência, travelings arriscados e uma trinca de música pop, animação e violência de montagem, assim constrói, não uma novidade, mas outro bom filme na sua carreira. Nada menos, nada mais.
E no fim, o que seria Limonov? Como capturar a essência desse monstro contraditório? Um profano? Um profeta do caos? Ou melhor, um filho da puta incendiário? A verdade é que não falamos de Edward Limonov, o poeta, mas sim de Eddie, a alma ficcional, esse demônio que vaga pelas ruas sujas de Nova York. Ele não é apenas um dissidente. Ele é o anti-dissidente, um paródico de tudo, um ser patético se afogando nas vísceras da cidade, no esgoto humano. Eddie é o excluído, o rejeitado, o vagabundo – aceito apenas pelos miseráveis, pelos sem-teto, pelos negros quebrados, pelos trotskistas abandonados. Ele é a revolução turbinada entre o poeta e o poema, entre o próprio Ben Whishaw e todos os outros que se fodem junto com ele. Serebrennikov implode a narrativa e nos força a ver, não apenas a história, mas a alma de um ser que se transforma – do idealista ao militarista, do romântico ao fascista. Eddie é um monstro, um “Joker” russo, marcado pela excentricidade e pela fanfarronice de quem odeia tudo e todos.
Esse é o terreno que o cineasta abre para nos empurrar para dentro de sua visão. O filme explode em cores e imagens, um caleidoscópio visual que mergulha nas décadas, primeiro a URSS dos anos 60 e 70, depois os anos 90, e o inferno de Nova York nos 70. A recriação desses tempos é um soco no estômago – cenários fétidos, lugares infestados de ratos e lixo abandonado, uma podridão humana tomada de forma brutal. Os figurantes são como espectros de um passado que ninguém ousa lembrar, mas estão ali, de alguma forma, ainda vivos, com suas roupas gastas e olhares vazios. Tudo é um pesadelo sujo, um inferno na Terra. E a tela – ah, a tela – se dobra ao efeito. Começa em preto e branco, cortante, na Rússia, como se o tempo se arrastasse num formato quadrado e limitado. Depois, o espaço se expande. O formato widescreen explode, como se a liberdade tivesse, finalmente, tomado forma. Agora estamos nos Estados Unidos, e tudo é mais vívido, mais caótico, mais selvagem.
E a música? A música é o grito de Eddie. As canções de Tom Waits, Lou Reed, Velvet Underground, soam como a trilha sonora da destruição, versões renovadas que ressoam com a urgência de sua alma. A melancolia dos sons mistura-se com a cacofonia das línguas, dos dialetos, do caos – uma babel moderna que reflete o turbilhão de Eddie, esse ser em constante transformação. A balada de Limonov não é só uma história, é um canto medieval, um grito no vazio, onde todos se perdem. O ritmo é quebrado, distorcido, como a própria vida de Eddie. E tudo se embala nesse cinema insubmisso, arriscado, alternativo, onde a audácia do protagonista se torna uma obsessão.
A jornada de Limonov, ou melhor, de Eddie, não é uma simples biografia – é um território de reflexão, um campo de batalha onde a política, a subversão e o desejo de transformar o mundo se entrelaçam. Eddie é um homem em guerra – não só com o mundo, mas com ele mesmo. A cada passo, ele se afasta mais de seu passado, mais do poeta idealista, e se aproxima do monstro que todos temem. Um militarista, um imperialista, um fascista. Uma força bruta contra a ordem, contra os fracos e os rejeitados, um ser impossível de se classificar, mas que, ao mesmo tempo, reflete a imundície de uma história repleta de contradições. Eddie não busca um mundo melhor, ele busca a destruição, o retorno da União Soviética, o caos. Ele é a alma do Kremlin moderno, como se o próprio Putin tivesse bebido de seus textos como uma fonte de poder.
No fim das contas, o filme não apenas desenterra Limonov, mas também o coloca como um avatar de nossa própria realidade distorcida. Onde começa o poema, e onde acaba a história? Onde termina Eddie e onde começa o fascismo russo? Essa viagem, repleta de violência e obsessão, não nos dá respostas, mas nos deixa com a pulsão de uma revolução impossível, que não aconteceu, mas que está constantemente à espreita, pronta para se erguer.
RATING: 69/100

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