O Sabor da Vida

A FESTA DE BABETTE agora é de Juliette Binoche e Benoît Magimel nesse (farto) banquete visual que Tran Anh Hung elabora com esmero, sua câmera no frenesi da cozinha, entre as panelas de cobre e as bochechas coradas da cozinheira, os vapores dos caldos, o fervilhar dos molhos, o avental de Juliette a rodopiar pela cena, enquanto o serviço é entregue em fina porcelana, luz de velas e homens na sala de jantar. Sim, o cineasta já havia nos inebriado anteriormente com O CHEIRO DO PAPAIA VERDE, mas o tempero aqui é francês, ele sabe, então seu filme abre com um plano de 30 minutos de cinema (quase) mudo, somente Binoche e o frisson da cocção do cordeiro na manteiga. E não precisa muito mais, o público já estaria satisfeito, mas o menu é completo, a química é perfeita: Benoît assume o protagonismo e nos envolve na massa de um dos filmes mais sensuais/românticos dos últimos tempos – “meu amor é vê-la comer”, ele diz – e o público faminto não se sacia de ver essa atriz em cena. O amor com o qual Dodin-Bouffant prepara sua sopa (ou jardim gastronômico?), como ele pensa esse amor em forma de pudim e peras, seu poema lhe queimando as mãos enquanto se dedica à paixão, nossa, é indescritível.

Então, sobre a tela se serve um filme de culto à boa comida, vegetais exuberantes e maracujá, um gesto de beleza e centralidade antropológica donde a receita é muito simples: três atos, dois grandes atores e um romance simples e cativante que se passa na Belle Époque e nas brasas de Dodin-Bouffant. A calda é uma elegante câmera panorâmica que desliza graciosamente pelo espaço, seguindo os gestos experientes do anfitrião e a cozinheira, cada olhar e pequeno gesto nos alcoolizando como vinho suave. Talvez o fascínio esteja no método, a coreografia como cada prato é preparado, as etapas individuais do cozimento, os encantos da degustação, tudo em uma pantomima tão extensa, tão deliciosamente sensorial, que é impossível resistir. A devoção com o qual os personagens se dedicam ao ofício e seus ingredientes, como isso traduz a sensualidade de uma cozinha em funcionamento e fervilha num ponto tão prazeroso, tão cinéfilo, que quase se torna um fetiche, o ato artístico de conceber, cozinhar e (nos) deleitar é um aperitivo maravilhoso de cinema.

Em cada cena, sente-se os aromas, o gosto, todas as sensações são produzidas. Tran Anh Hung cozinha seu roteiro como música, tal melodia resultando em longas sequências. Entre outras coisas, permite-se expressar, fazer sentir. Seu filme respira e a harmonia reina entre os atores que trabalham. Estes personagens que se conhecem há muito tempo, colaboram há muito tempo, conhecem as necessidades um dos outros e, portanto, se antecipam. A sensualidade é evidente, exala pela tela, você sente, dá fome.

RATING: 83/100

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FILMES · CANNES · SAN SEBASTIAN · RIO

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