Les Héroïques

LES HEROÏQUES abre em pânico repentino: na tela, tão somente um homem e uma história, um rosto sem viço, os cabelos desgrenhados, o pleno desabafo… seu nome é Michel. Foi alcoólatra. Foi viciado. Hoje está aqui, sem saber como. Sua garota o deixou. Faz quatro meses que está em reabilitação por metadona, há 22 anos ele consumia metanfetamina. No centro de reabilitação lhe diziam que era “difícil, mas ia superar em 15 dias”. 15 dias o #@%@&*$! Foram quatro (ou cinco?) meses de #@%@&*$!. Nunca sofreu tanto. Agora está sozinho com um bebê de dez meses. Sua garota se foi, ele repete, mora do outro lado de Paris. O bebê fica com ele todo fim de semana, mas ele não pode continuar. Ele não consegue mais. Tem 53 anos, pesa 50 quilos. A criança é quase mais pesada que ele e chora, chora, não para de chorar. Ele está quase há duas noites sem dormir, está #@%@&*$! Dorme em pé, mal dorme duas horas por noite. Ele dorme e o menino acorda. O que deveria fazer? Ele, assume, é o pai, mas não precisa de paternidade. Não… ele não queria outra criança. Ele já tem outro filho com outra garota, mas amava essa. Ele queria ficar com ela, mas #@%@&*$ tudo. A criança nasceu e eles se separaram. Agora, não gostaria de começar de novo. Logo ele, tão velho, mas… enfim, o que está feito, está feito. Não vale a pena lamentar o passado. Ele realmente estragou tudo, fez coisas ruins, ele sabe. Então, vai viver apenas, sem tentar repassar tudo novamente e é por isso que deseja estar “limpo”, isso pela criança, mas não sem ela, não sozinho, pelo amor de Deus. Ele quer – pausa, respiro, lágrimas – foda-se, ele não quer uma recaída. De novo, não agora. Não sabe se quer beber ou se quer… – pausa, uma longa pausa, você fica apreensivo – que… isso pare… está cansado de sofrer. Quer acabar com tudo. Que se #@%@&*$ a abstinência, isso é o que quer: ir ali, alguma noite e dizer “não estou limpo!”. De qualquer maneira, #@%@&*$! Ele não está limpo agora. Sinto muito. E tal cena dura cinco minutos. O que se vê, é todo o espectro de emoções dentro de uma pessoa, esse ator – um extraordinário François Créton – ali, despedaçando diante de nossos olhos. Maxime Roy tão somente filma a rasteira e… – pausa, esperança – o recomeçar.

Já em 10 minutos de projeção, Michel pesa 49 quilos. O que segue é a (tentativa de) redenção de um homem cheio de contradições, fragilidades, alguém profundamente humano, que luta para ser uma boa pessoa, você sente, em parte pelos infortunios, em parte pelo carisma, ou talvez por nosso desejo de sempre acreditar na corrente do bem. Daí um vinculo genuino, não falo de grande cinema de historias arrebatadoras, não é Hollywood, mas um pequeno filme band-aid para curar os males da vida, donde o filho carrega o pai – e o pai sem saber como, é uma criança a crescer. É difícil definir esse cinema, entender por que um filho pode visitar seu pai mesmo se ressentindo dele. Deve ser amor, sem dúvida. Tem a ver com aceitação e desistência. Alguns medos. O medo de morrer. Morrer só. E nisso o recomeço, as escolhas, um lento caminhar, primeiro duas horas – uma conquista – então 12 horas, depois um dia, uma semana, assim vivendo um dia por vez. Há musica. Há doçura, uma luz que não sabe donde. Haverá tombos, naturalmente, mas sempre alguém para reerguer. E o filme, aos poucos, aos saltimbancos, vai dissipando o pânico – pausa, respiro, calma: você até verá um sorriso.

RATING: 71/100

TRAILER

em breve…

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REVIEW · CANNES

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