“Se você se esqueceu, vou lembrá-lo: eu sou sua esposa.”
O “laço” (LACCI) de Daniele Luchetti abre em aplausos e pés nervosos. Chute a esquerda. Chute a direita. Pulo para a frente. Pulo para trás. E são duas filas, uma de crianças, uma de adultos, uma fita dando voltas, duas filas se enroscando, se embolando, pés que viram, reviram, circulam e pronto: é um laço, certamente. Também é carnaval: confete para o alto, pulinho aqui e acolá. Ela sorri. Ele não. Eles dançam, mas o laço é estranho, não prende, não aperta, não sufoca, já deixou de ser laço. Ela sabe. Ele sabe. Há um nó entre eles. Então, o cineasta desata esse novelo, a casa, a família, o passado, uma ideia de futuro, sobretudo Alba Rohrwacher e Luigi Lo Cascio, seu casamento escorregando, cada ponta se desfazendo devagarzinho, desmanchando, se soltando como um pedaço de fita amarfanhada. Ou não, porque o nó – quem diria – estava bem apertado.
Um cinema muito clássico, muito romântico, como tantos outros: um casal que passa a vida quebrando vasos e colando os cacos sob a ilusão de ser feliz, sem olhar para trás, inconsequentes, impotentes. Domenico Starnone escreveu um livro (e o roteiro) muito intenso e verdadeiro. Luchetti o filma em duas partes, indo e vindo, depois do amor: duas gerações, dois filhos, laços que mais parecem arame farpado, a história magistral de uma fuga, um retorno, todos os fracassos, mesmo os que parecem intransponíveis e aqueles que os acompanham por toda a vida.
E dentro dessa caixinha de amor/não amor, o que se vê é uma narrativa sem pressa, uma longa pausa em coisas triviais, mas de certa forma nos encantam por forças invisíveis, um sentimento que regozija, encoraja, questiona e cujos signos distribuem sabedoria melosa sem aviso prévio, nos deixando com as lagrimas e os lenços, exaustos, nostálgicos, maravilhados nesse redemoinho, por esses atores, os caracóis louros de Rohrwacher, o olhar negro de Silvio Orlando e as palavras ditas/não ditas, a câmera muito perto para cavar fundo cada reação, tratando cada rosto como paisagens a serem exploradas. E as lacunas, as distrações, os silêncios, as lutas infinitas, as crianças no campo de batalha… o inesperado que nos pega de surpresa como um belo presente envolto em laço invisível, abraçado e curioso. É bem singelo, diria afetuoso.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela RAI cinema, incluso a entrevista com o diretor.
Contém trechos do poema “Laços de Amor”, de Mário Quintana
RATING: N/T
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