“The night is coming” e longa é a noite: Com ela, os fantasmas chegam, devoram, repousam. Com ela, vem o BACURAU, o pássaro brabo que dorme na terra ou na própria capoeira. Com ela, vem o BACURAU, a última chance de chegar em casa para os trabalhadores da caatinga. Com ela, vem o BACURAU, o apelido cigano-feiticeiro da antiga milícia de Aluízio Alves, o capitão do mato que chega macio e silencioso e politicamente clandestino. Tudo o mais é bicudo. E quem não é BACURAU, é bicudo. Quem não é esquerda, é direita. Então, marchem! Soltem os cavalos! Faça-se a guerra! E viva a resistência! BACURAU é um estrondo e Bacurau vai sumir do mapa. Não há meio termos. Ame ou odeie, ninguém solta a mão de ninguém.
Difícil definir o que de fato Kleber Mendonça Filho & Julianos Dornelles filmam: A canção que abre é “Não identificado”, de Caetano Veloso. O próprio filme é um OVNI que parte do espaço sideral. Um objeto envolto em poderoso psicotrópico ou, então, revoada, cavalgada, tiro e atropelo. É um genuíno cinema novo, como foram VIDAS SECAS, OS FUZIS e DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL e isso com senha de wifi e DJ WhatsApp. É puro western pernambucano. É como se o TIO BOONMEE de Apichatpong Weerasethakul visitasse o sertão. Como se Sergio Leone cozinhasse um novo “faroeste-calango”. Ou como se repentinamente, nUM TOQUE DE PECADO de Jia Zhangke, os tomates se tornassem caixões. Aliás, o filme é repleto de caixões. É um item essencial da cesta básica desse povo (como se chama mesmo? bacaruense? Não… é GENTE mesmo!). Sim, a milícia não perdoa: seja puta, criança, mulher… não há qualquer diferença.
Portanto é uma pièce de résistance, tal qual foi aos vizinhos dO SOM AO REDOR, ou à Dona Clara em AQUARIUS. Aqui, Bacurau é uma cidade inventada que desaparece do mapa e possui uma aura mítica. Quase um santuário para os justos, mas também uma vila que vive em constante vigilância e sob os tiros de assalto, as estradas fechadas, a proteção do seu “amado” prefeito. Basicamente, a história é um assentamento humano (e de gêneros) que se compõe de extraordinário regionalismo e suspense e isso de dia e de noite, entre o arcaico e o hipermoderno. Sim, o aviso é claro: “Se for, vá na paz”, mas ninguém respeita, é impossível… Então, não se impressione se cada frame for carreta capotada, escola abandonada, caminhão desgovernado ou água represada. Com 10 minutos de projeção, já se vê dois mortos. E um deles é no enterro de Carmelita. E viva a Carmelita! A festa da velha morta, que teve filhos, netos, afilhados, gente que se tornou pedreiro, professor, médico, arquiteto, michê e puta, mas nenhum ladrão. E todos em procissão pelas muitas horas da noite, as horas do voo do bacurau, do medo e espanto, assombração e caipora. Carmelita é o início e o fim. A ruína e a salvação. O fantasma que surge para caçar o gringo bicudo! O ultimo filme pela noite que será o cinema brasileiro daqui em diante.
RATING: 82/100
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