Desde o início, tudo está claro. Não há suspense em torno dos abusos cometidos. A tensão está nas consequências do protagonista em se expressar. O filme vai direto ao ponto. Seu ritmo se impõe pela troca de e-mails com a Igreja. E cada e-mail é um relato de agressão e de luta, histórias poderosas, factíveis, e não ao todo conclusivas, porque não há qualquer efeito ou justiça em sua exposição. Então, François Ozon as filma, cada depoimento, cada palavra narrada, “La Parole Libérée”. Seus heróis fictícios são Melvil Poupaud, Denis Ménochet e Swann Arlaud. Seus heróis reais são Alexandre, François e Emmanuel e, sim, o cineasta permanece fiel aos nomes, aos fatos, afinal tudo está em domínio público, na mídia, na internet, inclusive os crimes de Cardeal Barbarin e Padre Preynat. Não há revelações, ironias, ou qualquer concessão, Ozon quebra o silêncio, levanta o tapete e filma a sujeira, o debate, o tribunal, e GRAÇAS A DEUS.
Ao público, resta o vislumbre da violência emocional e física das vítimas. Não só os abusos em si, mas o momento quando elas finalmente compartilham suas histórias, dez, vinte, trinta anos depois e daí as repercussões, o sensacionalismo, todo o SPOTLIGHT da mídia. E de novo remoendo o passado, em flashback, cada tarde de sábado na paroquia, – “ele me levava à sala de fotografias” … “ele me apertava com força, muito forte” … “ele respirava com dificuldade, durava um certo tempo, alguns minutos e depois nada” –, o cineasta filma muito pouco, um caminho, uma porta se abrindo, uma tenda fechando, apenas o suficiente para sugerir tal violência porque cada ato será debatido e discutido em reuniões, em família, no julgamento humanista. Afinal, nesse filme-terapia.
E curiosamente um cinema mais simples. Longe do estilizado AMANTES DUPLOS, o diretor deixa sua abordagem em segundo plano. Sua direção está mais limpa, convencional, a projeção fica para os personagens, os holofotes em cada ator e depoimento. Há, claro, alguns truques de fotografia e montagem, uma sensação de revezamento, mas o mais importante é esse ponto de vista único, os esforços e a luta de cada protagonista, filmados aqui como heróis de algum filme político americano. E donde tudo se constrói (e acredita) na palavra para que o publico possa imaginar o horror, o suspense. (E não à toa, a trilha seja de Evgueni & Sacha Galperine, de SEM AMOR).
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Playtime, incluso entrevista com o diretor
RATING: 76/100
TRAILER