Ao volante de sua vida, o caminho aqui é muito simples: Jafar Panahi, ainda em prisão domiciliar, ainda em quatro paredes, há muito tempo trocou o cenário de ISTO NÃO É UM FILME e CORTINAS FECHADAS para um automóvel e, no interior desse veículo, outrora em TÁXI, agora em TRÊS FACES, dirige outro “não filme”. E o faz por uma estreita e sinuosa estrada, senão a metáfora do cinema iraniano, o mesmo que lhe aprisionou em casa, no carro, e que impede diferentes artistas, de diferentes maneiras e momentos, de fazer a sua arte. Daí a ideia de evocar três gerações de atrizes – passado, presente e futuro -, três personagens, três mulheres, e todos nessa encruzilhada, diante do mais precário caminho de terra, limitado, claustrofóbico, insolúvel, que impede as pessoas de ir e vir, viver e evoluir, mesmo de pensar.
Então, as possibilidades: Do trauma de ISTO NÃO É UM FILME, da depressão de CORTINAS FECHADAS, da alegria de TAXI, aqui se encerra um ciclo sobre a vida do artista, o homem separado do prazer de filmar. Logo, a mente se abre, os horizontes se expandem e o cineasta percorre – e literalmente – tal caminho em busca de respostas. E o faz unicamente pelo cinema, os ventos da mudança, certa abertura ideológica, algum otimismo e mesmo que isso implique em outras injustiças, a situação das mulheres, a censura cultural, a violência subjacente, tudo é contornado pela força da sagacidade, em alusões e alegorias, numa fabula cujo Irã pulsa por poucos recortes, pelas câmeras escondidas, a visão do motorista, do passageiro, ao redor deles, de trás e adiante, um ou outro plano mais ousado.
E quem é essa jovem que surge inesperadamente do nada, na caverna, o lenço na cabeça, o medo nos olhos, a corda no pescoço? Ela está realmente morta? Desonrou a família aspirando a ser atriz? Se suicidou? Silêncio. Realidade ou farsa, percorremos a estrada, enquanto o diretor nos conduz pela auto referência, a crônica de uma sociedade peculiar. Sim, estamos em busca de alguém que aparentemente se foi, mas nada parece se mover, talvez pela decadência moral, a perda de direção, o próprio Panahi, figura metafórica, não sabendo aonde realmente ir. Somente observar o que essas mulheres – Behnaz Jafari, Marziyeh Rezaei e Shahrzad -, cada uma em sua época, tem a dizer. São verdadeiras atrizes, eximias artistas e, no entanto, tratadas com desrespeito antes e depois da Revolução Islâmica.
E assim, com tão poucos recursos, Panahi prova novamente que existe cinema, mesmo sob as piores condições possíveis. Sim, isto é um filme, e é extraordinário. E não à toa o final é perfeito por tamanha engenhosidade: Uma atriz solitária percorrendo a estrada. É, afinal, o diretor lutando contra o absurdo das autoridades. O CIRCULO em loop. Golpe de mestre.
RATING: 78/100
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