“Se eu contasse sobre ela, a princesa sem voz, o que eu diria? Eu poderia falar sobre o tempo? Isso aconteceu há muito tempo – nos últimos dias do reinado de um príncipe justo… Ou eu poderia falar sobre o lugar? Uma pequena cidade perto da costa, mas longe de todo o resto… Ou talvez eu pudesse somente avisar sobre a verdade desses fatos, o conto de amor e sobre o monstro que tentou destruir isso tudo…”
Então, era uma vez um filme de Guilhermo del Toro, um cinema que mergulha bem fundo nas aguas da memoria, lá na lagoa negra, num passado distante e esquecido, no preto e no branco dos anos 60, nos saudosos filmes de monstro da Universal, tempos de Boris Karloff e Bela Lugosi. E imersos nessa poesia, o cineasta nos encharca de nostalgia, no mais belo conto de fadas entre a Bela e a Fera, Sally Hawkins e a criatura. Não há palavras para descrever tal sentimento… E.T, O EXTRATERRESTRE, talvez dissesse “telefone, casa”, Toddy Haynes já nos deixou SEM FÔLEGO com seu “Cabinet das Maravilhas”, não tem mais nada a dizer, mas Del Toro, como exímio contador de histórias que é, prefere filmar e nos encantar. Deixa o resto com sua atriz SIMPLESMENTE FELIZ. Nós, inclusive.
O filme em si, se passa na Guerra Fria, idos 1962, em algum laboratório oculto, donde O MONSTRO DA LAGOA NEGRA, aquele do filme clássico de 1954, está aprisionado. O cineasta abre seu conto debaixo d’água e, a partir daí, a projeção se torna um ato de submersão, sem fôlego, sem respiro, mergulhando a plateia nesse mundo aquoso e sombrio, num romance singular entre uma faxineira e um mistério, e isso envolto de amigos, espiões soviéticos e um roubo audacioso. Com a projeção, a narrativa toma forma (the shape of water?) e mareia pelo bem e o mal, a inocência e a ameaça, o histórico e o eterno, assombrando e encantando, seja pela ação sobrenatural, a sedução pelos filmes B, a liquidez visual, a nevoa de luzes, o som noir, mesmo a musica de Alexandre Desplat, que bate como um coração, tudo é tão orgânico, tão fluido, que o resultado não poderia ser outro, senão um filme universal. Essencial e fascinante.
Que Del Toro filma pela guerra fria, justapondo o ódio entre nações com o ódio entre as pessoas devido à raça, cor, habilidade e gênero. E não à toa, os protagonistas não se falam, são estranhos entre si, estrangeiros, mas tal qual o conto dA PEQUENA SEREIA, acabam por se comunicar e, sim, pela linguagem universal, falo do amor, algo que não requer palavras. E não precisa. Não há mais nada a dizer. Só amar.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Fox Searchlight Pictures, incluindo as Notas de Produção
RATING: 86/100
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