O Homem Ideal

“Uma vida sem você é só uma vida sem você”


Um divertido conto cômico-trágico sobre as questões do amor, saudade e o que torna o ser humano, de fato humano. Desse tipo de cinema que Billy Wilder tanto filmou, a mesma combinação de palhaçada com diálogos rápidos, a mesma comédia sexual sem sexo, tipo “boy meets girl” ou “girl meets boy”, mas aqui com um delicioso adendo porque se trata de “girl meets robot-boy”. Então, Maria Schrader inverte as engrenagens da comédia “screwball”, fazendo da mulher a razão, o homem a emoção, ela humana, ele não humano e nós – o público – apaixonados por tal desventura, por esse romance programado e “você não tem ideia de como é difícil programar um flerte. Um movimento em falso, um olhar enganador, uma observação descuidada e o romance se evapora”.

Mas não aqui, porque Dan Stevens é perfeito, ele recita poemas, dança rumba, faz café da manhã e nos espera na chuva sem guarda-chuva. “Invejosos” dirão por que foi dublado em alemão, e talvez esta seja a graça mesmo: um protagonista gentil que personifica o ELA, do Spike Jonze, que amadurece os questionamentos de A.I – INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, do Spielberg, e isso num texto leve e inteligente, extremamente comercial, sua única tarefa é fazer outra pessoa feliz. Um personagem construído (ou programado?) como o parceiro de vida perfeito, equipado com características e recursos combinados individualmente, cuja função tão somente é afastar a solidão, cumprir o desejo de confiança e amor e… é… sempre estar à venda? Uma ideia que seu contraponto romântico detesta veementemente. Robôs são feitos para monitorar rotas de voo e semáforos, cortar gramas e controlar sistemas de segurança. Mas amor? Enquanto sentimento, felicidade e tristeza, esses seriam reservados apenas aos humanos.

Então surge um pouco de humanidade e Alma para nos divertir e pensar: Maren Eggert seria o objeto de afeto, uma mulher independente que defende os princípios do amor romântico, mas não consegue amar essa persona. Aos seus olhos, ele é simplesmente uma máquina para satisfazer suas necessidades, algo longe de ser uma verdadeira contrapartida, somente uma ilusão oca. O fato de Alma aos poucos se apaixonar por esse robô, sim, torna o filme uma sátira divertida e perspicaz da vida cotidiana, mas filosoficamente falando apresenta um problema insolúvel. Ela segue seu desejo contra suas convicções. Razão e emoção se envolvem em contradição. E ainda assim, ela parece, por algum tempo, ser verdadeiramente feliz. Então, qual é a diferença entre amor – o sentimento – e um algoritmo altamente complexo? Não nos adaptamos às necessidades de nossos parceiros nas relações tradicionais também? O que é “real” nos relacionamentos e quanto é aprendido, adaptado e programado?

Há uma ironia agridoce no fato de como essa história sobre inteligência artificial consegue abrigar alguns dos questionamentos mais profundos sobre a natureza humana. No imaginário comum, geralmente contos sobre humanos artificiais pairam na interseção entre o fascínio e o horror. De como o homem brinca de Deus criando servos para si mesmo, mas temendo perder o controle e ser superado por sua criação. Muitas delas, lendas de golem medieval e deuses ex-machina terminando com destruição e morte. Aqui, novamente a questão de alma e consciência se torna central, mas sugere novos caminhos, não a ideia de seres artificiais se tornarem mais hostis e violentos, mas sim, mais altruístas, civilizados e pacíficos. Seres superiores que poderiam, mais cedo ou mais tarde, tornar a humanidade obsoleta.

RATING: 74/100

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FILMES · BERLIM · TIFF

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