Nova Ordem

É um massacre. Uma completa reviravolta… DEPOIS DE LÚCIA, de CHRONIC, dAS FILHAS DE ABRIL, Michel Franco vai do mais íntimo casamento ao golpe de Estado, fazendo seu filme mais ambicioso, incluso a encenação, o elenco, os efeitos especiais e toda a história contada em grande escala. E sob essa intensa distopia, NOVA ORDEM explode na nossa cara e dedilha o público pelas entranhas. Questiona nossa relação com o mundo, a urgência da (eterna) luta de classes. Também nosso poder de ação. E ali, constantemente provocativo, vai nos empurrando para um canto, contra a parede, sem ao certo sabermos o que vai acontecer, todos atônitos, observando os 8 protagonistas, os 3.000 figurantes, cada um em seu próprio ponto de vista e a câmera na mão, a violência infligida espontaneamente, casualmente e de passagem, em manifesto, em cinema, marchando no reino do caos.

E diante do tiroteio, sem nenhum consenso para o bem ou mal, seja de público ou de crítica, o cineasta estilhaça o México num futuro próximo, um pé na ficção, outro na realidade universal. Atira à vontade contra a onda fascista, os governos totalitários, a corrupção policial, política, militar todos à serviço dos cartéis, dos interesses do poder, da corja impune. E a execução vai além, confronta o povo, na tela a classe dominante caucasiana versus a miserável classe parda/nativa, isso no mesmo tom dos “Coletes Amarelos”, dos “Vidas Negras Importam”, sempre apontando – o dedo em riste – para o racismo estrutural, a consequente desigualdade econômica. Sim, em algum momento, a sociedade vai explodir. E quanto maior a multidão, maior será o risco de que as coisas se tornem violentas. O cineasta filma apenas as hipóteses, talvez um diálogo positivo, algo para se discutir, se debater. Seu filme nos tortura.

Um cinema que flerta com muitas vertentes: do mesmo futuro idealizado de LARANJA MECÂNICA de Stanley Kubrick; do mesmo colapso do indivíduo, a humilhação, a aversão a si mesmo de VERGONHA de Ingmar Bergman; da mesma sensação do registro documental dA BATALHA DE ARGEL de Gillo Pontecorvo e também os ecos dO TEMPO DO LOBO de Haneke, as fitas de Costa-Gavras… cada filme sendo uma inspiração para essa parábola contundente, cruel, o levante sem ideologias, todo o sentimento de massa, de frustração que caminha num suspense volátil e visionário. Uma reflexão muito lúcida a de Franco, que de fato abraça não só o México, mas todos aqueles países onde o populismo cresce com alarmante rapidez.

RATING: 74/100

TRAILER

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FILMES · TIFF · VENEZA · SAN SEBASTIAN · MOSTRA SP

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