Mãe!


Entre a ambição e a pretensão, no idílico paraíso, Darren Aronofsky primeiro nos propõe uma prece: “Nossa mãe, que está embaixo, santificada seja o teu nome, venham as suas estações, faça-se a sua vontade, dentro de nós, ao nosso redor, agradeço pelo nosso pão de cada dia, a nossa água, o nosso ar, a nossa vida e tanta beleza; não nos conduza ao desejo egoísta e às destruições que são as fomes do excesso, mas livra-nos do consumo desprezível de sua vasta, mas finita generosidade, pois a ti é a única esfera de vida que conhecemos, e o poder e a glória, para sempre e sempre amém”. Depois, nessa gigantesca alegoria, o filme, o inferno, o som ominoso da batida inesperada de uma porta. Diante de Jennifer Lawrence e Javier Bardem, Ed Harris surge inesperadamente em cena e quebra o silencio. Depois, Michelle Pfeiffer. E mais e mais convidados chegam, do nada, a cada batida na porta, a câmera girando e girando e nesse rodopio, cada vez mais claustrofóbico, o público sentindo as paredes queimando, se fechando, os dedos na garganta cada vez mais apertados, não há qualquer respiro. Não há vida.

E eis o sacrifício, senão a verdadeira devoção: Uma história de alcova enclausurada no casamento. No centro, essa mulher que é convidada a dar e dar e dar até que não possa dar mais nada e, eventualmente, tudo explode. Torna-se outra coisa… O que exatamente? Não sabemos… é o fruto das manchetes que enfrentamos a cada segundo, todos os dias; O zumbido interminável das notificações de WhatsApp; As pegadas do apagão de um furacão no centro de Manhattan; São histórias do coração, outras do intestino. É a esquizofrenia de Lawrence, tal qual a de Rosemary por seu bebê, ali invadida pelo medo, a intriga. A esposa adoradora e musa de um poeta enigmático: “Apaixonar é assustador. Ser vulnerável? Terrificante. Não se deixar vulnerável? Além disso, aterrorizante”. Então o suspense, a explosão, o motim. Darren Aronofsky filma a tempestade, o medo a cada batida de porta. Toc toc toc. Quem é? Outro estranho. Tenham medo…

Então, a câmera se move sinuosa, ao redor de Lawrence, esgueirando-se por sua sombra, por seus ombros, os pés descalços, toda uma coreografia macabra, em plano sequência, no andar de cima, no andar de baixo, em corredores estreitos. Um filme em close-up, em tiros selvagens, extremamente febris, que dobra as paredes e se (re)inventa nessa casa de Escher. E a medida que o filme progride, a noite cai, surge a escuridão. E o mistério só se aprofunda, os personagens cada vez mais escuros, mais sutis, nessa mistura de sedução e agressão, enquanto Lawrence enlouquece. Seu mundo se desfazendo. Queimando. Ardendo. Tudo em silêncio. Sem música. Apenas as vozes e o pensamento, o tic-tac do relógio e o toc-toc da porta. Sim, é surreal.

(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Paramount Pictures, incluindo notas de produção
RATING: 64/100

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FILMES · TIFF · VENEZA · SAN SEBASTIAN

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