Mosquito

Zacarias foi lutar na guerra, mas a guerra o perdeu. É deixado para trás, o MOSQUITO, a morrer na praia com os estropiados, os maluquinhos, os inúteis, esse menino com febrezinha por causa da malária. Tens 17, o pivete franzino, lutais de fralda, não tens namorada, ainda tens a minhoca virgem – não tenho nada, meu sargento! – e agora caminha sozinho, a guerra no pensamento e a pátria no coração, vai de alma cheia, vai pela África. Que é que tas aqui a fazer, soldado? Ora, vais guerrear! Hastear a bandeirinha portuguesa em terras distantes, meu capitão, ali donde Judas perdeu as botas… os alemães, dizem, estão em todo o lado, mas ninguém os encontra, parece fantasmas, os filhos da puta. E lá se foram cinco dias de andar. E vai mato adentro, lado a lado com os alemães, os pretos que ninguém vê. Ou pelas bestas. Ou pelas formigas que lhe entram pelos ouvidos e depois o ensurdecem e lhe comem a mioleira. João Nuno Pinto filma esse vai e vêm, as voltinhas de um soldado português, seu avô.

E lá pelas tantas, já estabelecemos uma plataforma de entendimento: vai soldadinho, leva dois pretos a sua escolha. E Zacarias se põe a caminhar, sozinho por sozinho, o filme cada vez mais febril, mais mulambo, o andar ainda perdido, mas caminhando vivo na busca da guerra e da gloria dos fadistas. Um cinema-vislumbre de um lado esquecido da história, a Primeira Guerra Mundial em Moçambique, o que nos leva a refletir sobre uma herança muito mais longa, o colonialismo em que pensávamos ter o direito de subjugar e “civilizar”. O país-mosquito a levar doença além mar. Daí o horror e o fascínio de uma jornada que se põe épica, e lhe torna universal em sua dialética. Não limitada aos códigos clássicos do gênero, mas de uma linguagem (dialeto?) de autoria própria. E é através dessa abordagem única (e sem legendas) que o filme rompe com sua forma clássica para abraçar uma narrativa mais crua e contemporânea, isso através do olhar cada vez menos inocente do protagonista, o soldado nos calos de um bicho do mato.

Dessas desventuras, meio sonho, meio pesadelo, o público flutua ente a realidade e a fantasia, o passado e o presente, o incomum e o cotidiano. As situações cada vez mais fantásticas, embora reais. Os delírios cada vez mais reais, embora o orgulho de um soldado maluquinho. E as memórias indo e vindo como fragmentos de um passado disperso. Um passado apagado, que Zacarias corre atrás para guerrear, que o leão por fim ruge e nos engole. Sim, estamos na África e ela assume seu protagonismo diante do mosquito. E sinto muito, meu sargento!

RATING: 77/100

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REVIEW · MOSTRA SP · ROTTERDAM

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