A Mulher que se Foi


“Os ricos fazem tudo pelos pobres, menos descer de suas costas”
Liev Tolstói


Após 30 anos na cadeia por um crime que não cometeu, Horacia é libertada quando o verdadeiro criminoso é descoberto. Seu marido morreu e, embora ela consiga retomar o contato com a filha, o paradeiro de seu filho é um mistério. Aos seus olhos, o mundo está completamente diferente, mas ela logo reconhece o que não mudou: O poder e o privilégio das elites – um fato que é trazido dolorosamente à tona quando ela descobre que seu ex-amante a incriminou pelo crime que destruiu sua vida.

Então, na tela, Lav Diaz nos mergulha em quase 4 horas de (intensa) projeção e uma pergunta: O que nos molda como seres humanos? A inspiração, talvez esteja em Liev Tolstói, em seus contos ou em “Deus vê a verdade, mas espera”, uma história muita antiga, uma parábola de perdão, de resiliência, sobre a vida e seus mistérios, ali, nesse país, nessa mulher, mergulhada em sentimentos contraditórios, na caridade, no confronto com o indivíduo e as margens da sociedade. E assim, o cineasta nos oferece um estudo muito clinico, sobre ricos e pobres, crime e castigo, preto no branco, como de costume, no calvário, no rigor, quase no melodrama, nos imensos planos sequencias, na câmera fixa, na descomunal narrativa cinematográfica, no domínio do espaço, do tempo, da natureza. Enquanto essa mulher, “a mulher que partiu”, nos deixou, nos encantou, e se foi, depois de tão pouco tempo, nos esmaga, nos arrebata, por tal cinema, tão simples e honesto, tão intenso e visionário. Essa é a assinatura. Única. Fascinante.

E aqui, e novamente, no ruminar lento da EVOLUÇÃO (e queda) DE UMA FAMÍLIA FILIPINA, na hipnose, no estilo, em sua sujeira e sua beleza. E nessa história que flerta com paixões e vingança, miséria e nobreza, em tantos personagens, nessa sociedade, num tecido fino pelos labirintos de Manila, nas imagens deslumbrantes, na luz, no contraste e na pena, de Horacia, por Horacia, e por essa atriz, Charo Santos-Concio, vemos afinal a mulher que se vai, mas fica na memória. Um filme que ruge, grita, nos espanta. Não à toa, Leão de Ouro.

(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Films Boutique, incluindo press conference do diretor e notas de produção
RATING: 87/100

TRAILER

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FILMES · TIFF · VENEZA · RIO

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