Um Limite entre Nós

São exatos 75 minutos de projeção: Antes disso, Denzel Washington preenche o tempo com histórias e conversa fiada, conflitos e lendas do beisebol. Cada frame para sublinhar a segregação racial, econômica, o passado sombrio, o drama familiar. Cada minuto de teatro filmado para nos familiarizar com essa rotina, os personagens, esse quintal. Então, num sábado qualquer, como tantos outros desse protagonista, aos 75 minutos de cena se pula a cerca e temos o verdadeiro filme, o assombroso Oscar de Viola Davis e o verdadeiro argumento.

Essa, na verdade, é a história de Denzel Washington: De um homem que sonhou e agora não sonha mais, isso depois de tantos invernos, de tantas semanas com o Sol a pino, atrás do lixo, ele, um lixo. A rotina aos poucos lhe encobrindo, lhe cercando, se infiltrando, só um pouco, sem ninguém perceber. Daí a amargura, apodrecendo tudo, carcomendo, atormentando. Não lhe resta nada (ou quase nada). Apenas a bebida de sexta, sua Rose, a cerca por fazer. Mas quem nos cerca é o cineasta, com sua (aparente) felicidade, esse (falso) paraíso e ideias de amores e família perfeita.

E então, aos 75 minutos de projeção, a primeira estaca, o golpe: O público, meio atônito, sem saber reagir, balança o taco e não acerta a bola… Esse é o primeiro “strike” e a (grande) cena de Viola Davis. 15 minutos depois, vem o segundo “strike”, agora de Denzel, o ator. E no banco, na poltrona, o público surpreso compreende que está do outro lado da cerca, da tela, em volta desse homem e seu quintal, longe de tudo. E é assombroso.

Do texto original de August Wilson, Denzel, o cineasta, o ator, filma o teatro e depois o cinema. Aos exatos 75 minutos, constrói uma cerca de madeira dura, divide o filme e nos ludibria. Filma do modo mais clássico possível, rebatendo todas as bolas retas, como previsto, mas nas entrelinhas rebate também as bolas curvas. Além das CERCAS, constrói um muro intransponível, duas interpretações geniais, a dele e a de Viola. E nos prepara para o fim. A última bola. A da cena acima. E esse é o terceiro “strike”. “Você está fora!”. E, sim, estou arrasado. “Não sinto mais o gosto de nada”.

RATING: 72/100

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FILMES

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