Malmkrog

A dialética em toda a sua pompa & circunstância, em longos – longuíssimos – planos sequencia aonde a câmera fica estática e cabe aos atores todo o apuro visual, o discurso, os gigantescos diálogos-monólogos debatidos no jantar enquanto os serviçais trabalham nos bastidores, os garçons indo e vindo só para distrair e servir, uma criança correndo da babá ao fundo, e lá fora um coral de Natal para, por ora, interromper os apontamentos sobre materialismo econômico, moralismo tolstoiano e arrogância nietzschiana. Um teatro filmado, um filme falado – limpo e eloquente – que discursa por horas e horas e horas, enquanto a neve cai e o cochilo nos arrebata em algum momento.

Em cena, as “Três Conversas” de Vladimir Soloviov, o embate incessante entre o bem e o mal, guerra e paz, religião e ateísmo, progresso e tradição no intercurso da humanidade, cada tema debatido fervorosamente, seu texto ferozmente condenado e defendido, isso em francês, alemão e russo, entre os nobres, os políticos, os generais e suas damas, toda a aristocracia ali minuciosamente ensaiada, cada gesto, cada palavra, os enquadramentos simetricamente perfeitos, cada ator em sua marca e a crítica formalmente reproduzida em seu esplendor. Então, um trabalho de rococós que interpola os trajes de época, sua linguagem, a tradição e o costume com o espírito e intenções originais do autor de outrora. E, ao mesmo tempo, um exercício vigoroso de cinema, a linguagem cinematográfica propriamente dita, o texto adaptado em imagem, 24 quadros por segundo, e a imagem revista em memória, em documento histórico, donde se percebe toda a vibração do espaço, cada mudança de luz, cada flutuação do tempo, cada espasmo de seus personagens ou a intuição do diretor.

É um filme que nos esmaga por seu rigor, nos entorpece na palestra, exaustivos teoremas e teorias, o intenso jantar filosófico entre cinco figuras na ceia de Natal, intelectuais entediados a discursar em 200 minutos de projeção, seis capítulos em diferentes perspectivas de gozo cerebral ricamente coreografado. A austeridade de cada frame se torna uma obsessão, um ato de heroísmo, mas Cristi Puiu certamente filma algo monumental, uma peça digna de museu, de ser dissecada em faculdades por gerações e gerações. É algo intimidante, sem dúvida.

RATING: 74/100

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REVIEW · BERLIM · MOSTRA SP

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