Oscar Negro

Aos 80 anos de idade, tudo indicava que 2008 marcaria o fim de uma era. O Globo de Ouro foi reduzido a uma ninharia, uma simples conferência de imprensa e se tornou ainda mais irrelevante, a Vanity Fair cancelou sua famosa festa onde o glamour competia em pé de igualdade com o frou-frou dos longos vestidos de gala. A longa greve de roteiristas era um pesadelo interminável. Sim, o Oscar morria lentamente… Agonizava. Sofria. Suspirava. Mas afinal foi só um susto…

Será?

Houve uma cerimônia de premiação. Houve astros e estrelas. Houve Oscars! Mas foi um ano atípico. Estranho. Soturno. Os indicados estampavam um diagnóstico terminal, repletos de filmes brutais e niilistas. Foi um Oscar inóspito. Sem esperança. Onde os fracos não tinham vez.

Mas ontem tiveram. O filme dos irmãos Coen arrebatou quatro estatuetas (Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado e Ator Coadjuvante) e Hollywood mostrou seu lado mais escuro, o que é atípico. ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ e SANGUE NEGRO (Melhor Ator e Fotografia) são filmes que habitualmente não chegam tão longe num prêmio como o Oscar. São filmes cult demais, reduto de um prestígio autoral focado num cinema que vai além do mérito cinematográfico, das bilheterias, do glamour. São filmes que expõem o lado mais sórdido da sociedade. Seus segredinhos mais sujos. São filmes condenados à segregação.

Exceto esse ano… Esse ano é deles que se falou. Houve espaço para psicopatas assassinos vingativos ex-strippers. E até um filme “pequeno” e tenso como CONDUTA DE RISCO, obra de artesão, de roteirista-relojoeiro, que confirmou Tilda Swinton com melhor atriz coadjuvante teve espaço. Reparação? Isso é curioso… DESEJO E REPARAÇÃO (Melhor Trilha Musical) foi figurante numa festa onde a tradição não tinha vez.

Esse foi o Oscar mais forte de todos os tempos e também o mais intelectual (Vide as escassas bilheterias). Mesmo que DESEJO E REPARAÇÃO e JUNO (Melhor Roteiro Original) estivessem lá para provar o contrário, o Oscar 2008 foi o mais liberal que a Academia consegue ser. Justamente o avesso de sua história.

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ contrapõe dois mundos, dois sistemas – a nostalgia de um tempo em que havia valores, representada por Tommy Lee Jones, e o sangue frio amoral, sem explicação, do assassino interpretado por Javier Bardem. É um mundo inóspito, este, e também aqui se olha a paisagem como se fosse a origem do mal. Sistematicamente esnobado pela Academia (Houve um Oscar em 1997 pelo Roteiro de FARGO, nada mais), os Coen assinam aqui o seu filme mais intimidatório, sem a habitual bóia afetuosa que costumam estender às suas personagens: Aqui não há fuga possível.

Independentemente do que mudou, o Oscar permaneceu como instrumento útil para medir a temperatura americana. Os filmes indicados simplesmente refletiram a sobriedade dos tempos atuais. Mesma sobriedade estampada no tapete vermelho, em vestidos negros – uma forma de dizer que a América, ou o mundo, mudou tanto que a Academia se limitou a espelhar isso.

Outra hipótese, menos romântica, mas talvez mais plausível, é que o Oscar 2008 é uma pequena amostra do novo ecossistema de Hollywood. Os cinco filmes indicados são produções independentes. Na prática, não se trata de um bando de outsiders, porque continuam a ter os grandes estúdios por detrás. São divisões “especializadas” da Paramount, Fox e Warner que tratam da sua comercialização, e assim se beneficiam do melhor dos dois mundos.

Curioso que o Oscar se beneficiou desse raciocínio literalmente. Das 24 categorias, 11 Oscars foram para o velho mundo. O Oscar falou francês (Melhor Atriz, Curta-Metragem e Maquiagem); italiano (Melhor Trilha Musical e Direção de Arte); espanhol (Melhor Ator Coadjuvante); austríaco (Melhor Filme Estrangeiro) e até inglês, mas com toda pompa dos britânicos (Melhor Ator, Atriz Coadjuvante, Canção e Curta de Animação).

Aos 80 anos, ironicamente celebrando o glamour e o brilho. O Oscar 2008 viu a marca da maldade e gostou. E premiou. Sem brilho, como a situação e a sabedoria assim prescrevem.

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