Manchester à Beira-Mar

MANCHESTER A BEIRA MAR se pronuncia em águas calmas, num cenário idílico, em pleno oceano e numa cena familiar: Ali, um garoto, seu pai e seu tio passam um dia de pescaria e piadas de tubarão, algumas cervejas e sanduiches. A trilha clássica em sinfonia com esse momento, tornando tudo mais quieto e sereno. Quase num tom de “paraíso”. Então, corte! O cenário muda, torna-se mais gélido. Com ele, o inverno e Casey Affleck. A música cessa. A água se solidifica, entulha as portas em montes de neve, entope os encanamentos e as privadas. Está estagnada. Estancada. Empoçada. O tom (ainda) sugere algo leve, quase uma comédia, mas o silêncio, o isolamento, o marasmo, tudo denuncia que algo está errado. E algo acontece. Algo se perde. Lá em Manchester. À beira do mar…

Então, pela força e consistência do roteiro, cuja emoção flui como um rio, primeiro em um pequeno filete e, então se avolumando pelo leito, pela projeção, até nos arrebatar, mas não transbordar porque o rio – esse filme – é estreito e rígido, por ali, exatamente como o amor entre irmãos, exatamente nesse vilarejo onde Kenneth Lonergan coloca sua câmera, por força da ambientação, dos segredos, da melancolia inerente e da delicadeza de seu elenco, eis um trabalho capaz de nos levar para um mundo absolutamente diferente, mesmo uma sala de escritório, na tela entulhada de memorias e lembranças, de idas e vindas, diante de um advogado para nos consolar, de um passado para superar, a música sugerindo o afogamento, o mar revolto. Cada vez mais forte. Mais intenso. Eis o abismo. A tempestade.

Nesse ponto, não há mais volta: Os fantasmas retornam como em ondas, pelo limbo, vêm e vão, o irmão, o sobrinho, as filhas, os amigos, um antigo amor…. O barco está à deriva. O protagonista, o público, todos estão inflamados, incendiados por essa historia que (ainda) arde, queima nossos olhos, fere nossos corações e preenche tudo em sua volta com luto, tristeza e melancolia. Não é possível superar. Ninguém consegue. E, assim, tal cinema nos arrebata como outrora os olhos de Capitu, numa ressaca, na onda profunda que ameaça avançar e tudo tragar, para sempre. E de volta ao barco e ao inicio. De volta ao mar.

RATING: 89/100

TRAILER

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FILMES · SUNDANCE · TIFF · RIO

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