Le Vourdalak

Como se fosse um antigo e sinuoso filme de Albert Serra na fronteira da Sérvia, um orçamento baixo, baixíssimo, uma história de Aleksei Tolstoi, LE VOURDALAK nos seduz na estranheza, um pouco assustador, um pouco engraçado, o baixo custo sem dúvida aplicado no excêntrico figurino, na atmosfera chiaro-escuro e, claro, no próprio personagem-título (re)criado em engenhoso efeito analógico, tal qual Ray Harryhausen outrora fazia em stop-motion. O mérito é, sem dúvida, de Adrien Beau, seu primeiro filme, também a voz que dirige e anima o velho Gorcha, o monstro-marionete que nos entretém (ou assusta?), ele próprio indo e vindo para assombrar sua família, se deleitar no sangue ancestral e nós, idem, nesse tipo de cinematografia que não se via há várias décadas.

O orçamento talvez seja o grande titeriteiro dessa visão criativa (ou suas meras soluções?): uma interpretação original de um conto antiguíssimo, a adaptação de uma novela de 1884 que precede “Drácula”, de Bram Stoker, em 40 anos. Logo, uma brincadeira de folk horror, um romance gótico, uma sátira de choque cultural sobre o Marquês d’Urfé, o emissário da coroa francesa que o diretor nos apresenta como um cafetão empoado, ele perdido nos conflitos de uma família camponesa em constante guerra com o Império Otomano. Através dele, somos testemunhas-convidados dessa casa isolada nos Balcãs, ao contato dos filhos amaldiçoados, aos enigmas de Ariane Labed, à coragem do jovem Vassili Schneider ou mesmo ao patriarcado de Grégoire Colin. O roteiro vai além, se atualiza, inclusive na indefinição da masculinidade presente em vários níveis, brincando com o estereótipo do “cavalheiro francês afeminado”, no crossdressing do filho intermediário e, cujo clímax explode em elementos queer, nesse pastiche completo que se resolve na cena mais sedutora, tragicômica e repulsiva do filme.

Tecnicamente, a fotografia é uma paleta de cores e expressionismo retrô, imagem levemente granulada, agourenta, atuação bastante teatral típica dos anos 70 (isso pela atmosfera e execução) e donde a experimentação mais fascinante cabe ao vampiro, o pai que retorna da guerra para seus filhos (agora como um “vourdalak”), morto, mas vivo, um boneco repleto de sombras, nuances e profundidade e não à toa, o cineasta seja formado em artes e design de produção porque seu fantoche grand-guignol no remete aos caprichos dos contos populares, aos monstros de FÚRIA DE TITÃS, JASÃO E O VELO DE OURO, tantos outros, uma representação fascinante de um ícone de gênero e, sim, um “filme B” genuíno para os fãs.

RATING: 68/100

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REVIEW · VENEZA

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