

Nas palavras de EL MENSAJE, pulsa uma história de amadurecimento, embora seus passos nem sempre sigam as trilhas já trilhadas do gênero. É a travessia de uma menina que escutava os bichos, que ouvia os sussurros que o mundo deixava escapar – o corcel de um fazendeiro, a capivara de um camponês, o gato de uma viúva, todos vinham a ela com suas dores, seus medos, seus murmúrios esquecidos pelo vento. Se é milagre, embuste ou ilusão, não importa, Iván Fund nos conta essa fábula com a leveza de um segredo, sem nunca revelar se é verdade ou invenção. Um conto de infância, onde uma criança se empodera e escolhe confortar os adultos, e, com ela, toda uma família amadurece – uma família que, através de um amor genuíno e cuidadoso, enfrenta sua própria falta de comunicação, seu passado e suas limitações. E assim se prova: a inocência é um tesouro, e seu serviço ao mundo, imprescindível.
Como outrora em PEDRA DA NOITE, Fund percorre a longa e vibrante estrada do realismo mágico, mas sem deixar que ela se feche em convenções. Aqui, o real e o fantástico se entrelaçam até que um dissolva o outro, até que se perca a certeza de onde termina a verdade e começa o sonho. Um cinema que não se preocupa em tornar a ficção verossímil, mas que usa a textura do real para impulsionar a fábula. Celebra-se, de um lado, os milagres discretos deste mundo; do outro, expande-se a narrativa, evocando um feitiço onde o insignificante, no fim, se revela essencial. O filme flui assim como um rio antigo, um road movie encantado, atravessando paisagens rurais e urbanas, com “Entre Ríos” como palco – terra de estradas de poeira e pequenas cidades agrícolas, o próprio berço das memórias do diretor.
De certo modo, o roteiro se desenrola numa espécie de “movieland”. Assim como Peter Bogdanovich vestiu LUA DE PAPEL com a poeira da Grande Depressão americana, aqui se reflete a Argentina de agora – a crise econômica e social que corrói os centros urbanos e se infiltra pelas pequenas cidades e rincões rurais. Mas há algo de distópico neste mundo, algo que escapa da realidade crua e absurda do presente para se tornar lúdico, metafórico – como a farsa grotesca de um presidente que consulta seu cachorro morto para decidir o destino cultural de um país. Na interseção entre o sonho e a crítica, a fantasia se transforma no novo realismo.
Tudo sustentado na bela atuação de Anika Bootz, uma interpretação tão profunda e complexa de uma atriz tão jovem. Em cena, uma equipe mínima – sete almas na estrada, filmagem intimista, a câmera aberta ao improviso, ao pó da estrada, ao instante irrepetível. Um filme que (nos) sussurra o mistério do espiritual e do sobrenatural na relação entre humanos e animais, que observa a infância em sua plenitude, o envelhecimento em sua nostalgia, e nos fala, nos escuta, nos mostra essa conexão primordial com o mundo, essa visão encantada que, com o tempo, se apaga – mas cujo cinema, tal qual as crianças, insiste em habitar. Um mistério assim para ecoar, “Always on My Mind”, como nos embala Pet Shop Boys por toda a projeção.
RATING: 69/100

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