






Em BIRD, ninguém é apenas alguém. Andrea Arnold faz questão de capturar cada pessoa, cada luz, cada voo no ritmo de sua própria existência. Seu filme é um mosaico de abraços, de gente, de pequenos carpe diens. Ele se constrói devagar, com paciência, revelando um personagem por vez, uma história a cada frame e ao público, cabe se entregar ao calor que transborda – essa humanidade pulsante que atravessa a tela. Tudo isso ganha forma pelos olhos de uma garota – Nykiya Adams – e, através dela, vemos a rebeldia, o espírito de liberdade, a própria cidade de Kent onde a cineasta cresceu. O cinema surge assim do nada, do vazio, do ninguém, e nos seduz com tamanha natureza, uma poesia tão catártica, que a alegria acaba se transbordando em lágrimas, assim naturalmente para lavar a alma.
A identificação, sem dúvida, surge acompanhada de imperfeições – talvez pela franqueza com que Arnold filma: sua câmera desalinhada, independente e não convencional a planar por gente tão devastada pela pobreza e cujas asas, já foi assim noutros filmes como ÁQUARIO, DOCINHO DA AMÉRICA e COW, pairam e abraçam seus personagens, gente afundada na lama, no chão, ali na luta darwiniana pela sobrevivência. Ainda assim, o foco é – e sempre foi – no apego um com o outro, nesse frágil ecossistema onde as pequenas criaturas (con)vivem com amor e cuidando umas das outras. Por isso um filme tão doce, um Barry Keoghan tão amável (ou paternal?) e essa figura-título, personificada por Franz Rogowski, que entra e sai de cena como um anjo – como se tal cinema fosse um conto de fadas ou relicário de algo mais fantástico.
O restante é libertador, de um lirismo que voa como se o vento fosse cúmplice, levando-o a pousar em um ninho – ainda que áspero e brutal, onde os galhos são feitos de drogas pesadas, violência verbal e física, gravidez precoce, mas ali, no entanto, há abrigo. E isso visto pelos olhos de uma jovem que busca calor e segurança, simplesmente existindo. Ela, curiosa, observa o mundo ao seu redor, enquanto nós – o público – a observamos com a mesma leveza. E assim a narrativa amadurece, como um cinema sendo pássaro por um dia, cada dia sentindo o céu como abrigo e cada cena entendo esse sentimento que é só o começo de um (novo) voo.
RATING: 75/100

TRAILER
