Grand Tour


A fusão entre cinema português e asiático é uma quebra de TABU: Miguel Gomes (con)funde o estilo de Jia Zhangke com a visão de Lav Diaz e nos conduz por uma vasta excursão de gêneros – do documental ao experimental, talvez até flertando com o musical. Tudo para nos contar uma história (ou duas?) de amor e fuga, onde se desenrola um descompasso entre as épocas, entre o que se narra e o que se vê, entre o que se vê e o que se ouve. Mesmo a história, ela se dissolve em camadas, flutuando, embaralhada, por narrativas e perspectivas intrincadas. Um delírio inebriado, enlevado, que se move pela realidade e viajará etéreo pelos(s) tempo(s), imóvel, inocente, fantasmagórico, em busca de sabe-se lá que encanto.

Então, como descrever um filme que desafia classificações e exala um anarquismo irreverente, quase provocador? O roteiro, como de costume, ousa em sua construção narrativa e estética: uma obra simultânea entre decadente e sofisticado, mistério e desorientação, que se alterna entre quedas vertiginosas e lampejos de genialidade. Para seus protagonistas, para o público que conhece AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO, certamente é uma experiência fascinante – um flerte com os contos apaixonados e anacrônicos de Manoel de Oliveira ou, quem sabe, um GRAND TOUR extravagante, donde o cineasta se apresenta como explorador pelo continente e pela história, desbravando caminhos e recriando um mundo perdido (talvez idealizado) e por ali descobrindo frames sombrios e exauridos, uma procissão de amantes – ele, Gonçalo Waddington, fugindo do casamento; ela Crista Alfaiate, que não aceita tamanha covardia e, portanto, duas versões sobrepostas de um rima, sim, um retrato adornado de luxo tropical, soberbos casarões, móveis de bambu, cortinas flutuantes, camas com mosquiteiros, multidões de servos e a velha tensão entre colonizadores e colonizados. E por tal experiencia, seguimos fascinados pela selva e mar revolto, plantações de borracha, minas abandonadas, fumos de ópio, tabernas obscuras, monções e tempestades. Tudo encenado e disfarçado, naturalmente, um floreio de câmeras.

Assim, uma viagem às catacumbas do cinema, ou talvez à Era de Ouro de Hollywood – estilos e temas que muitos julgavam ultrapassados, mas que aqui se renovam. Não por acaso, essa sensação de estúdio, de teatro de sombras, de um fascinante carrossel que gira em fanfarra e tudo pontuado por fragmentos de vida real: registros de ruas, praças, multidões e frenesi contemporâneo, senão uma verdadeira odisseia de elementos que enriquecem a melodia exótica, a dialética entre presente e passado, o mesmo ponto trabalhado, refinado e ampliado do filme anterior, DIÁRIOS DE OTSOGA, igualmente absurdo, livre e… recompensador.

RATING: 79/100

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REVIEW · CANNES · TIFF · MOSTRA SP

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