







TUDO QUE IMAGINAMOS COMO LUZ e o tempo, os dias duradouros, o sol abençoado entre as manhãs e as tardes. Um levantar súbito de luz, uma luz tão mansa e suave, tão pura e inocente que mal podemos conceber – talvez a cineasta Payal Kapadia consiga filmar: um cinema tranquilo, quase como uma terapia, uma forma de regenerar o brilho nos olhos, essa luminosa jornada de mulheres em sandálias e sári, caminhando por uma benção ou milagre, vivendo ou errando, se perguntando e duvidando e tudo ao seu tempo enquanto o filme avança pela existência, observando e registrando a realidade: a mesma luz que outrora Satyajit Ray se encantou, agora adornada em azuis pastéis e rosas carregados de história e donde cada cor carrega um enredo, um sonho doce entre tradição e liberdade, obediência e emancipação… aparentemente tão pouco, quase nada. Sim, apenas uma faísca, mas cuja chama, diante de seu calor incomensurável, nos cegará.
Um filme sobre a cidade, antes de tudo. Mumbai capturada no ônibus e no trem, durante a estação das monções e suas chuvas torrenciais, muitas vezes envolta pela escuridão da noite. E a luz – onde está a luz? – é algo a ser imaginado: encontra-se na velocidade, nas oportunidades, no caos. Uma trama onde miséria e bem-estar se entrelaçam incessantemente. E, novamente, as cores – intensas e vívidas –, a comida que exala temperos inconfundíveis, as pessoas que carregam histórias nos olhos e nos gestos, os cheiros que preenchem cada esquina… Assim como em NOITE INCERTA, seu filme de estreia, Kapadia constrói a narrativa como um diorama. Com ecos do cinéma vérité, ela fala dessa cidade, das inúmeras pessoas que ali chegam e vivem, cruzando suas origens e línguas e ali, no meio desse caos pulsante, ela tece a ficção: o conto de três mulheres em momentos distintos de sonho, desejo e amor.
A sensação é de uma pequena celebração, onde cada momento importa, cada instante se cristaliza, um sussurro de luz no lusco-fusco do chove-não-chove. Ali, as personagens parecem suspensas, movendo-se entre o efêmero e o eterno, como se a cidade, o mar, e tudo ao redor respirasse junto delas, capturando-as em um devaneio silencioso de encontros e desencontros. Sem pretensão, sem pressa, cada cena existe para abraçar e transcender e se tornar inatingível como a luz que nunca podemos tocar, apenas imaginar com a intensidade dos vaga-lumes.
RATING: 81/100

TRAILER
