A Semente do Fruto Sagrado


A epígrafe do filme nos diz: A SEMENTE DO FRUTO SAGRADO cai e se ramifica no solo fértil, entre as mulheres, a vida, a liberdade… Aos poucos, como uma imensa figueira verde, ela estende seus galhos e raízes, começando a sufocar tudo e todos ao redor, até que nada reste além da destruição.

Diante disso, o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof refilma essa metáfora: tal cinema como um figo gordo e roxo, uma promessa de futuro maravilhoso que nos atrai e encanta. Porém, o que inicialmente parece um presente inofensivo – NÃO HÁ MAL ALGUM, como ele próprio havia filmado antes – revela sua natureza oculta. O figo se transforma em um marido, um lar feliz, filhas sorridentes e uma carreira brilhante, mas ali, escondida, a semente (do mal?) já começa a germinar. E assim, o figo murcha, escurece e despenca.

E, por essa queda, uma projeção de quase três horas, seguida de 15 minutos de ovação em Cannes, e a emoção sincera de um diretor exausto, oprimido e escondido, exibindo as fotos de seus atores — Missagh Zare e Soheila Golestani —, semanas depois de fugir pelas montanhas, da vigilância do sistema teocrático, das raízes-chicote às quais foi sentenciado, assistimos, então, seu asilo em película, um filme empenhado, indignado, raivoso, profundamente político, uma acusação poderosa e intransigente contra o regime, e um apoio àqueles que no Irã saíram às ruas e continuam a sair, apesar da repressão, fazendo sua história, a história escrita pela revolução, a história filmada em parábola.

O argumento (ou seria o contexto?) possui uma potência sem precedentes, como raramente se vê no cinema contemporâneo. Começa como nada, mas, pouco a pouco, se ergue do chão, se eleva palmo a palmo pelos pensamentos totalitários, o terror iminente, a paranoia crescendo e deitando ramos, e os ramos outros ramos, e deles os frutos devastadores desse poder maligno, tão indispensável e incomensurável, que o cineasta não cabe conter o destino nem os comportamentos que ele evoca. Talvez porque seu protagonista seja um medroso, ante um carrasco. Um fruto apodrecido sem quaisquer armas para se defender da intransigência dos atos, o poder das mensagens, ali refletido nos vídeos postados nas redes sociais para confirmar a injustiça. Não é por acaso que o governo, meras figuras de papelão nos corredores, permaneçam imóveis. Nem é por acaso que a casa se transforma em tribunal e a família se vê desprovida de qualquer sentimento.

Rasoulof prometia na epígrafe uma lenda, mas acabou por fazer sua própria história. A semente que fica é um testemunho (e legado).

RATING: 82/100

TRAILER

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FILMES · CANNES · TIFF · LOCARNO · SAN SEBASTIAN · RIO

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