



Ali Abbasi filma a biografia de Donald Trump, sem adular, sem criticar, o argumento assim mais interessado na construção de uma marca (ou império?) do que no personagem em si. Sebastian Stan se dissolve no protagonista, na caracterização, na fotografia suja e chuviscada, enquanto o enredo cumpre o papel de contar os fatos, sem rodeios. O julgamento, claro, fica nas mãos do espectador: será que o protagonista é um vilão descarado ou um visionário audacioso? A resposta, inevitavelmente, se transformará em uma disputa política.
O fato é que, por sua própria existência, o filme já é uma polêmica feroz, isso diante das eleições americanas e dos (des)entendimentos em torno da produção, ou talvez pelo próprio mito que está sendo retratado, enfim ele traz todos os ingredientes para um escândalo que nunca acontece, evapora, se dissipa, vira um sopro e some, talvez ardiloso, talvez misterioso, uma bomba de fumaça, portanto. Logo uma promessa vazia: visto, digerido e esquecido, sem alcançar os extremos do “bom” ou do “ruim”, apenas existindo como um relato comum, neutro, sem uma tomada de posição, artificio tão somente para narrar as origens de Donald Trump, sem demonizá-lo ou poupá-lo de críticas, talvez domesticando, até mesmo romantizando sua figura: um ambicioso “aprendiz” no jogo do setor imobiliário, mesmo do – cof, cof – brinquedo sociopolítico. E nada além disso.
Portanto, uma denúncia civil disfarçada de relato factual, essa cinebiografia que tenta seguir os passos de um jovem Donald, idos anos 70 e 80, pela megalomania empreendedora e segue com seus limites, nos apresentando um logotipo de ascensão, bobagens e absurdos, o estrelato de um showman emergindo do caos das pequenas disputas empresariais para – talvez – a presidência, mas não ainda e, no fundo, nada de novo no gênero. O que se destaca, no entanto, é como ele se encaixa na demagogia do “Make America First Again!”, explorando a ignorância e o ressentimento de um povo marginalizado – os caipiras irritados com a globalização, a imigração e o desemprego. Esse “exército de perdedores”, como Trump costumava chamar, como base que alimenta seu (novo) império à base de lei e ordem, de uma família tradicional que é mais mito do que realidade.
Seguindo o princípio renovado de um CIDADÃO KANE, é curioso perceber como o protagonista se apropria das teses turbo-capitalistas de seu mentor – um intrigante Jeremy Strong – para colonizar seu espaço, a cidade de Nova York, e até mesmo sua esposa, como se fossem meros bens a serem adquiridos. Enquanto isso, ao cineasta cabe dissimular o contexto, oferecendo um entretenimento mediano onde Trump se transforma em um profeta, um messias cujas tolices e zombarias atravessam o filme como uma caricatura risível, sempre aquém das figuras retóricas construídas nos noticiários de TV. Nesse jogo de espelhos, o filme reflete apenas a superfície do protagonista, um homem de imagem e aparências, criando um reflexo distorcido e limitado, assim como ele próprio.
RATING: 70/100

TRAILER
