Tipos de Gentileza


Sobre TIPOS DE GENTILEZA, Yorgos Lanthimos vai “Além da Imaginação”, não uma, não duas, mas três vezes, tecendo histórias que desafiam os limites do homem. Um cinema tão vasto quanto o espaço e tão atemporal quanto o infinito, situado nesse argumento intermediário entre luz e sombra, ciência e superstição, o abismo dos temores e o cume dos conhecimentos. Para tal, o cineasta recorre a seus artifícios habituais: ecos, coincidências, olhares de Emma Stone, Willem Dafoe e Jesse Plemons, entre outros. Mas, acima de tudo, ele se apoia no texto dadaísta de Efthimis Filippou, roteirista com quem iniciou sua carreira. Não por acaso, surge aqui a sensação de revisitar DENTE CANINO, ALPES e O LAGOSTA, agora em uma versão condensada, mais indolente, mas igualmente implacável.

Obviamente, não se trata apenas de atos de gentileza, como sugere o título. Pelo contrário: a bondade é servida em uma bandeja, espremida gota a gota (muitas vezes de sangue) de vítimas voluntárias que fazem de tudo para renunciar ao livre-arbítrio em favor de um poder superior – seja chefe, marido ou guru. O que resta é o bagaço humano, exposto em filme, através de subtextos de obediência, submissão e controle. Cada história muito longe de um gesto genuíno de bondade, parábolas sobre relações de dominação, fragmentadas pela estrutura tripartida do longa. Mas, dentro de cada conto, a submissão se estilhaça ainda mais, explorando diferentes facetas do que significa ceder ao outro. O que é ser gentil? Um ato voluntário ou obrigação social? Tais perguntas atravessando as três narrativas, nas quais os personagens se veem forçados a usar máscaras, aceitar ordens ou seguir regras arbitrárias sob promessas de pertencimento ou redenção.

Portanto, três contos de “Alice Através do Espelho”, onde os atores brincam com a rigidez emocional e trocam de papéis constantemente, oscilando entre performances robotizadas e diálogos surreais que ressaltam o caráter artificial das interações humanas. Dentro desse universo, onde o bom senso e a moralidade são banidos, a história transborda detalhes macabros, impulsos sádicos, voyeurísticos e fetichistas. Torturas e mutilações transformam o próprio corpo em fetiche narrativo para ilustrar o poder e o controle sobre o outro. POBRES CRIATURAS!, dirá o público, já horrorizado pelo formalismo hostil desse espetáculo bizarro e inconformista — uma normalidade reprimida e proibida que se desdobra, primeiro, o conto de um homem corporativo cuja vida é inteiramente planejada e ditada pela empresa, desde a cor das camisas que veste até o horário de sexo com sua esposa e o copo de uísque antes de dormir; depois, a história de um policial convencido de que a esposa, outrora desaparecida, não é ela mesma, mas uma impostora; por fim, o relato de uma mulher ligada a uma seita estranha, que busca alguém com poderes especiais, capaz de alcançar o impossível. O resultado da soma dessas três histórias é um vazio no qual a gentileza se torna apenas um ato de assistir e esquecer, perdido em um apelo duvidoso, mas facilmente comercializável.

RATING: 69/100

TRAILER

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FILMES · CANNES

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