

Em algum ponto entre os Dardenne, Sean Baker e Xavier Dolan, Agathe Riedinger filma sua estreia e o faz num DIAMANTE BRUTO (ou selvagem?), um conto de fadas realista sobre seguidores, silicone e sonhadores. A história de uma garota que aspira às grandes telas pela pequena tela, como tantas meninas-influencers. E o faz pela indomável Malou Khebizi, nesse cinema de JOGOS VORAZES e stories quixotescos, um filme de mulher, feito por mulheres, sobre assuntos femininos – o reality show da vida real, da batalha do dia a dia, dos percalços, dos tamancos gastos, da maquiagem borrada pelo choro, o cabelo embaraçado, o sovaco lavado na pia do banheiro, e essa câmera alucinada da cineasta, ávida por captar beleza em poses instagramáveis.
Acima de tudo, filma-se um sonho. Mesmo aquele que consome, ilude, arruína – lavando cérebros e os deixando à deriva. O sonho de uma jovem entre tantas jovens, em um filme que não se propõe original ou novo, talvez um pouco derivado, um déjà vu, mas ainda assim, um conto atemporal: a jovem oriunda da pobreza que busca, por seus próprios encantos, ascender. Ser notada. Ser celebridade. Não importa se no cinema, nas redes sociais ou nos reality shows. Há ecos de REALITY, de Matteo Garrone, mas aqui com um verniz ainda mais cru, oscilando entre o registro factual e o flerte com a estética televisiva, onde as pessoas são exibidas “sendo elas mesmas”. E, dentro dessa televisão da realidade, a cineasta nos insere na indústria forjada dos concursos de miss – com seus valores conservadores, seu sexismo, sua cultura de violência velada – e, ainda assim, percebida como uma via legítima de ascensão social. A promessa de fama, riqueza e devoção dos fãs substituindo antigos alicerces: já não é a família, a igreja, a escola ou o patrão que oferecem um destino. É o capitalismo digital que seduz, captura e acorrenta, transformando jovens em escravos do desejo alheio.
É um filme de olhares. O olhar como julgamento, como instrumento de poder, como laço e como lâmina. O olhar da sociedade sobre a protagonista. O olhar de amor e ódio de seu público, que a alimenta e a devora. O olhar amargo que lança sobre as amigas e sobre os homens. O olhar de Malou Khebizi, afinal, e sua fascinação pelos ícones da televisão e das redes. O olhar de uma guerreira que faria qualquer coisa para ser vista e reconhecida. Ela é insolente, impulsiva, atrevida. Rouba, desafia, invade, toma o que deseja. Vive com urgência, quase com ferocidade instintiva. E essa intensidade nasce do abismo de não se sentir amada. Para saciar essa fome de afeto, usa o que acredita ser sua única arma: sua beleza. Uma beleza transformada em estratégia, em subversão, em ferramenta de poder. Quem a observa, a faz existir. Quem a deseja, submete-se. Sua beleza lhe dá valor e dignidade – ou ao menos é isso que ela acredita. Mas, acima de tudo, há a busca primordial: o olhar da mãe. Esse olhar que nos faz sentir especiais, vistos. Esse é o coração do filme. Um coração pesado, que pulsa e pesa sobre a realidade até a última cena. Até a última esmola em busca de uma curtida.
RATING: 69/100

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