Pedra da Noite

Abre no mar, tão somente a praia e as ondas e essa calmaria que desassossega: PEDRA DA NOITE começa em um transe, em saudosa sinfonia, um longo travelling pela areia e essa música que vai nos enchendo de saudade pungente, que toma conta de toda a tela, nossa percepção, nossa curiosidade e, sem saber, sem querer, vai lá nos estremecer a alma com seus acordes. Fosse no Brasil, seria o trenzinho do caipira: “Lá vai o trem com o menino, lá vai a vida a rodar, lá vai ciranda e destino, cidade e noite a girar…”, mas a melodia vai além, é um mergulho pelo fantástico, um retorno à infância e ao tempo que passa, aOS GOONIES, À HISTÓRIA SEM FIM, nossa meninice. E é extraordinário como Iván Fund evoca tantos sentimentos, filmando tão pouco: apenas uma praia e a fenomenal trilha sonora de Francisco Cerda.

Então, corte. O filme começa de fato no rosto de um menino. A história se passa em algum lugar, não sei dizer se é o litoral da Argentina ou no Chile, mas a paisagem é esse garoto. Ele está no quarto, jogando um videogame qualquer. Ao lado se senta o pai, Marcelo Subiotto. Os olhos sempre atentos nesse garoto, o público idem. São afinal, as escolhas de um cineasta que se demora na catarse fílmica, esse artesanato em tom observacional. E de novo as ondas, a música, as gaivotas, isso é onipresente. Há certa poesia em curso, do mesmo material que, um dia, Albert Lamorisse filmou seu balão vermelho, mas aqui tão somente um menino na praia, ele e um pequeno bote. E o cinema ali, a observar esse garoto a correr pela praia, de noite, até sumir de nossas vistas.

Não é fácil abordar tais temas. O cineasta todavia se repete: se outrora ele filmou um lugar sem adultos em CHUVAS SUAVES VIRÃO (2018), agora ele reescreve sua dissertação sem crianças. E novamente pelo cinema fantástico, a inocência de conviver e se colocar aos olhos dos outros e a consequente ternura desse (im)pacto. O faz de modo melancólico (como demanda tal narrativa), uma estética feérica e um aspecto quase no drama indie, isso num duplo movimento: se por um lado, os elementos do quotidiano são aqueles que viabilizam a fantasia – o joguinho, os contos dos pescadores, o empacotar das coisas nO QUARTO DO FILHO -, por outro o aparecimento do elemento fantástico funciona como um catalisador lúdico para nos permitir dar vazão às emoções. “As crianças são o melhor do ser humano”, diz o diretor e o filme segue nessa jornada pelo vale da (in)finitude, tão leve, tão doce, você sequer sente a tristeza. De fato ela não existe, foi se banhar ao mar. E o filme fecha num abraço de saudade. Bem bonito.

RATING: 71/100

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