La Traviata, Meus Irmãos e Eu

São quatro irmãos, três jogando futebol descalço na areia, o outro sonhando… são quatro jovens que colocam todo o seu coração nesse filme e levam essa história – outra história de emigrantes -, assim aos trancos e barrancos, enquanto a mãe está morrendo, o pai já se foi. Cada um em seu próprio sonho, um sonha com produtos de marca, o outro em se tornar artista internacional, o terceiro faz o gigolô com os turistas, o último tenta administrar essa família doente. Um filme de desenraizamento, a dureza do destino, também a esperança, nisso surge a “La Traviata”, o espetáculo para nos encantar: é um show simples, quatro atores e um palco vazio, e essa opereta que nina a mãezinha. Quatro filmes que poderiam ser em outro lugar, nos fulminar em piedade, mas não o é: é uma peça comovente, uma pantomima em família, cujo coral esfuziante de Verdi nos arrebata, tal cinema cada vez mais animado com a música cada vez mais rápida e o palco – tão somente a mesa de jantar – povoado de seus quatro foliões “mangiando e mangiando la tua bella pasta”. E segue ao fundo, Pavarotti: “Libiamo, libiamo ne’ lieti calici, che la bellezza infiora!”. Que filme, Yohan Manca!

O texto é de Hédi Tillette de Clermont-Tonnerre, donde o próprio cineasta já o ensaiou em teatro aos 17 anos, mas agora nesse filme, com os personagens mais livres para viverem, fazer o que tem que fazer, apostar na juventude para atrair (um resquício de) esperança. Não são ricos, nem pobres, não têm emprego e, enquanto esperam, jogam futebol. O protagonista é o caçula, toda a narrativa passa aos seus olhos, talvez para celebrar a infância, o verão ao sul de Sena-et-Marne e Pantin, as margens do Mediterrâneo. Manca, então, filma um pequeno libreto, o que é bonito e romântico nesses territórios, que de outra forma seria hostil. Sua câmera é suave e assertiva, a luz sempre quente do Sul, em um filme de 16 milímetros, o que torna tudo muito mais radiante e poético.

Um cinema que flerta com Federico Fellini, com todos os encantos de seus subúrbios, a periferia, as favelas de NOITES DE CABIRIA. Um pouco de FEIOS, SUJOS E MALVADOS de Ettore Scola também. Há algo de fortemente italiano nessa história, um forte sentimento de fraternidade, a forma como o menino deseja despertar a mãe do coma com as mesmas árias italianas que seu pai cantava para cortejá-la… em uníssono, é um filme universal, multicultural, que curiosamente insere uma arte, muitas vezes considerada a mais elitista de todas, em um ambiente de classe trabalhadora, como outrora Stephen Daldry o fez com a dança em BILLY ELLIOT.

Aqui é um conto para se ouvir (e se deslumbrar): seja esse garoto, o jovem Maël Rouin-Berrandou, ele abençoado por esse dom de interpretar (e cantar), um personagem único, que passa a maior parte do tempo observando, capaz de transmitir muito sem se mover muito; alguém sem medos ou problemas, pronto a se revelar; Seja o personagem de Judith Chemla, a professora de canto, a única mulher dentre tantos personagens masculinos e, portanto, a personificação do amor materno e a ternura que não se encontra em outro lugar; Por fim, essa química extraordinária do elenco de irmãos, Dali Benssalah, Sofian Khammes, Moncef Farfar, que nos faz torcer, que nos faz vibrar, tal qual em uma partida de futebol, mas o resultado é muito mais intenso: “Una Furtiva Lagrima” e, sim, Pavarotti que (en)canta.

RATING: 72/100

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REVIEW · CANNES · MOSTRA SP

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