The Story of Southern Islet

Em plena luz do dia, havia muito sangue: um homem se ajoelha nos campos de arroz e vomita sangue, havia pregos enferrujados no sangue. Logo, sua vida se torna tão tênue quanto um fantoche de sombra, uma escultura de papel, pode ser doença, pode ser maldição, ninguém sabe… na aldeia, os rumores estão cheios de incenso e a esposa corre para salvar seu marido, ela apelando aos médicos, aos curandeiros, aos camponeses e ao público resta um calvário tão inquietante como qualquer obra de Apichatpong Weerasethakul, embora aqui seja a estreia do jovem Keat Aun Chong: uma jornada por vales cobertos de fumaça e rituais, os mistérios dessa terra donde pessoas viveram, muitos fantasmas e deuses foram trazidos e a religião se tornou um sistema complexo. Um filme de várias seitas e vários altares, todos explorados em profunda iniciação: uma investigação sobre os autos da fé pelos confins da Malásia, pelo coração das pessoas, etnias escondidas na sombra, crenças ou reminiscências para rezar cinema em adoração aos espíritos guardiões.

Então, uma narrativa de muitas nuances, todas entrelaçadas nesse contexto ancestral e cultural da região: lendas de uma bruxa do sul, de um deus da montanha, de uma princesa chinesa, dialetos de uma civilização antiga, ou senão as fábulas da própria infância do cineasta, assim THE STORY OF SOUTHERN ISLET é contada, em tese muito simples – tão somente a jornada de uma esposa salvando seu marido -, mas cuja atmosfera, o subtexto fluindo lentamente entre as fronteiras do homem e da bruxa, fantasmas e deuses, território e vazio, vai nos sussurrando aos poucos para um realismo mágico, vozes na caverna e assombrações no navio.

Você não os vê, naturalmente, tão pouco a esposa, mas sente esse lento gotejar que, a princípio, não é nada, fumaça, arrozais, fogueira e noite, todo um horror invisível que nos incita a prosseguir, enxergar o que não existe, caçar esse estranhamento e continuar a investir pela projeção. E nesse brinquedo de explorar, nem sempre uma presença detectável pela visão humana, a presença de algo espiritual somente como sugestão ou uma área “vazia” de imagem cinematográfica, seja pela perspectiva da câmera ou enquadramentos tortuosos, tal cinema vai aguçando nossos sentidos, os despertando para conhecer, talvez comunhão, talvez sono, uma pessoa, uma alma ou um deus, não importa, é insignificante. E assim finalmente sentir as montanhas, o mar, o campo, o oculto… esse “filme de terror” que evita seus demônios, mas pode ainda nos assombrar, não pelos códigos habituais do gênero ou pelos misteriosos festivais folclóricos, mas pela vastidão de emoções genuínas, o forte sentido da terra. De um povo. Da existência.

RATING: 74/100

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REVIEW · LOCARNO · ROTTERDAM

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