Judas e o Messias Negro

Um filme sobre Fred Hampton e William O’Neal, um homem pelo povo, o outro pela autopreservação, o presidente dos Panteras Negras, o outro informante do FBI, ambos para contar essa enervante história que foi “enterrada” no passado, lá em 1968, nesse pandemônio de agitação social e civil que seguiu a origem do partido, quando Martin Luther King Jr. exauriu um meio de não-violência com sua vida sendo tirada por algum racista. Nesse ponto, Shaka King filma o movimento, o propósito do partido, esse tratamento de choque para a América branca ao ver homens negros fortemente armados, da mesma forma que a América negra viu o homem branco lhe tomar de refém. E o faz na figura desses heróis – o JUDAS E O MESSIAS NEGRO – no mesmo tom bíblico de um thriller tenso e perspicaz para apresentar dois grandes atores em lados (ou interesses?) opostos, mas em rota de colisão, Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield.

Um cinema de guerrilha, de palavras catárticas (“Eu sou um revolucionário”), quase uma retórica de convocação. A cena da convenção de Chicago mostra todo esse fervor profano, a pancada que é a interpretação revolucionária de Kaluuya, ali ao palanque, pregando sua demagogia, enquanto 200, 300 pessoas, punhos erguidos, gritam em comunhão: “poder para o povo!”. “Vou morrer pelas pessoas porque vou viver pelas pessoas”. “Vou viver para as pessoas porque as amo”. E esse era o “messias negro”, 21 anos, inacreditável.

E do outro lado, o personagem de Stanfield: Na entrevista para o “Eyes on the Prize 2” da PBS, a única que concedeu, ele diz: “Meu recrutamento pelo FBI foi muito eficiente, muito simples, na verdade. Eu roubei um carro e passei do limite do estado. E eles tinham um caso potencial contra mim, e eu estava procurando uma oportunidade para resolvê-lo. E, alguns meses depois, essa oportunidade surgiu quando o agente do FBI Roy Mitchell me pediu para ir ao escritório local do Partido dos Panteras Negras e tentar me tornar membro.”

O papel dessa entrevista, aliás, é crucial para o filme, ele abre sob o ponto de vista de O´Neal e repete – de maneira reveladora e profunda – o quão essa mentira permanece alojada por todos esses anos, a história de um governo e de um país em termos de repressão de vozes dissidentes, tanto no passado, quanto no presente, a consistente campanha de difamação e a obsessão da autoridade em dizimar o movimento. E é também nessa entrevista que o filme se encerra, na pergunta do entrevistador sobre o que O’Neal diria ao seu filho, isso o faz gaguejar um pouco, lutando contra seus reais sentimentos, sobre o que havia feito e, por um segundo, desmoronar: ele não é um rato, ele não é um delator, ele é humano. Ele sente isso, há toda uma dimensionalidade. E o público também.

William O’Neal cometeu suicídio no dia em que a entrevista foi ao ar em 1990.

RATING: 80/100

TRAILER

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FILMES · SUNDANCE

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