As Irmãs Macaluso

[O TEXTO CONTÉM SPOILERS]

O conto dAS IRMÃS MACALUSO é “Adoráveis Mulheres” em Palermo, um cinema de três capítulos, a infância, a idade adulta e a velhice de cinco irmãs nascidas e criadas em apartamento, e donde a própria casa, como um sexto personagem, nos conta a passagem do tempo, o ruminar da história dessas mulheres, de uma família, das que partem, das que ficam, das que resistem. A projeção prossegue, e vemos as irmãs crescendo, fazendo os mesmos gestos, usando os mesmos itens da mesma maneira. E o tempo se percebe por tais objetos, os cacos de algum prato colado, o chão riscado de tanto andar, a lasca na cuba da cozinha, a maçaneta da janela que insiste em soltar na mão, mas ninguém se preocupa em consertar. Emma Dante, como boa italiana, filma esse cotidiano “tutto in famiglia”, a mesma poltrona, na mesma sala, durante os anos, as personagens sempre ao redor, rindo, chorando, discutindo. Umas envelhecendo, outras não.

Enquanto houver casa, a presença das irmãs permanece. Em um lugar onde não se pode metabolizar a morte, não se pode encontrar uma maneira de fazer algo com ela, não se sabe onde “colocá-la”, então elas ficam ali, primeiro a caçula ainda criança, depois a primogênita já adulta, as vivas e “as mortas” vivendo sob o mesmo teto em distração estratégica, um esquecimento e lembrança, um não perceber o que deveria ser feito. O resultado é visto com o tempo. Não é fulminante. É lento e progressivo como uma doce saudade com o qual se aprende conviver.

Como em SOMBRAS DA VIDA, de David Lowery, esse filme também não é sobre fantasmas, aparições que surgem para nos assombrar, mas sim sobre presenças que permanecem, que nunca saíram de cena, como o lustre da sala que você não percebe até alguém lhe arrancar do teto. Desde o começo, a casa está cheia de objetos obtusamente resistentes; objetos construídos pelos mortos e pertencentes aos mortos que provavelmente sobrevivem aos vivos: o lustre, a mesa, a cama de casal, a banheira… até as próprias irmãs.

Sim, um filme sobre o tempo. Sobre coisas que duram, que envelhecem. O olhar da câmera é extremamente dinâmico para acompanhar o movimento das protagonistas, mas também fixo dentro de casa, como se fosse os próprios olhos desse personagem inanimado. Esse “olhar”, recorrente várias vezes, torna-se particularmente evidente e reconhecível ao público. Ainda mais nas cenas em que as irmãs estão fora de casa ou de enquadramento, sinal de que os olhos não se fecham mesmo na ausência dos “inquilinos”. A câmera, então, examina obsessivamente objetos, corpos e movimentos que ficam, devolvendo vida à evolução da vida. A cena final é exemplar nesse sentido, quando a câmera, posicionada no mesmo ponto de sempre, entrega ao espectador a imagem da casa despojada e esfolada pelo afastamento dos objetos que ali viviam e pela saída das irmãs. A morte, portanto, só entra realmente em cena quando os objetos são “retirados” de seu contexto e as irmãs abandonam definitivamente seu lar. E talvez essa seja a alma do filme: a força vital da memória. É o amor das irmãs, uma pela outra e por esta casa, que mantém viva toda a sua existência como se fosse um único organismo vivo, independentemente da morte física de algumas delas; é a quebra, o desmembramento, o esvaziamento, o despojamento desse organismo vivo que determina enfim sua morte.

(*) Crônica livremente inspirada da entrevista da diretora, em Veneza.
RATING: 72/100

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REVIEW · VENEZA

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