O Traidor

Quando a sala escurece e os primeiros frames dO TRAIDOR surgem na tela, esteja avisado, espectador, que não há qualquer escapatória. Aqui, Marco Bellocchio lhe toma de refém e lhe sangra. Seu filme “cosa nostra” lhe toma de custódia, lhe interroga cordialmente, também seus amigos (ma che buoni amici!), sua família (ma che bela famiglia!), lhe rouba cada suspiro, lhe prende a respiração, lhe persegue, seus impulsos, seus pensamentos… Ora sei un emarginato! Maledetto spettatore! O filme abre em festa, em aplausos, numa simples foto, mas o cineasta já colocou o cronometro em marcha e você está preso em sua vendeta. Che colpo è stato, Bellocchio? Que tiros são esses, Tommaso? São os flashs, são os segundos, é o dominó caindo peça por peça, o pavio aceso, a bomba armada, os tiros a queima-roupa. O cineasta não poupa ninguém. É cosa nostra, la sua cosa. Esteja avisado.

E não à toa, os tigres inquietos, as hienas agitadas porque Bellocchio filma o colapso de uma geração, o tribunal de uma sociedade criminosa que, afinal, encontrou sua sentença; a história de um homem comum em tom de ameaça, a guerra declarada de um personagem duplo, talvez triplo, sem altares ou condenações e em constante exilio. Narra, enfim, a complexa e fascinante biografia de Tommaso Buscetta, o primeiro grande penitente da máfia, o “traidor” preso no Brasil, extraditado para a Itália, que afinal delatou todos os comparsas diante do juiz Falcone e o surreal silêncio de sua “famiglia del bandito”.

E o faz em eterno confronto, em tiros “frontais”, extremamente sintéticos, curtos, concentrados, evitando movimentos descritivos de câmera, favorecendo imagens paradas em que os personagens entram e saem de campo ao seu bel prazer e evitando, sempre que possível, a “objetividade” do contracampo. O faz no contraste e nas cores da Sicília, semelhantes às de Caravaggio, sempre em moldura preta, na escuridão e nas sombras. E em cada dialeto próprio, mantendo o devido ritmo, a cadência e as expressões de seu lugar. Então, um filme clássico de máfia, extremamente barroco, autoral, feito na velha guarda de Coppola e Marlon Brando e para se aplaudir de pé e com gestos de mão, como se fazem os italianos. Sì, questo film è un capolavoro! Tutto buonissimo!

RATING: 79/100

TRAILER

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FILMES · CANNES · TIFF · RIO

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