Era um caso simples. Ele confessou. Ele é reincidente. No passado, já havia matado e sido condenado. Não havia mistério. Mas o mistério é o filme de Hirokazu Kore-eda, esse episódio de “Lei & Ordem” que só cresce nos tribunais. O motivo parece incerto, uma testemunha surge inesperadamente, o caso se complica. Não é tão simples quanto parece… E do nada, de uma premissa ingênua, o cineasta torce os fatos num drama de julgamento, no suspense noir, em plot twists intricados, nessa meditação poderosa do qual só o cineasta é capaz de filmar.
Portanto, um drama legal, em todos os sentidos da palavra, donde entre defesa e acusação, se discute a leviandade da verdade e as injustiças do sistema. De certa forma, o trabalho literal de um advogado na busca da verdade – e não nos tribunais, porque lá não se busca a verdade, mas uma sentença. Então, um filme de crime que, ao contrário de tantos outros, não parte para a resolução, mas sim à dissolução. Koreeda quer ambiguidade, a mesma vacuidade que os próprios advogados percebem, quando o veredito é proferido.
E o faz enfaticamente no paralelismo da sala de entrevistas. De um lado, o rosto do advogado refletido na barreira de vidro. Do outro, o rosto impassível do prisioneiro. Enquanto olha para os olhos ilegíveis de seu cliente, todos na sala, o advogado, o público, horrorizados, se perdem no vazio, no medo de ser engolido por esse olhar, perdido, apático, esquecido. Entre eles, toda a luz e a sombra da incerteza e a imprecisão. E isso filmado em CinemaScope, em grandes close-ups, todo o turbilhão de emoções captados em magnificência. Como inspiração, alguns filmes de crime dos anos 50, depois ALMA EM SUPLÍCIO (Michael Curtiz), CÉU E INFERNO (Akira Kurosawa) e SE7EN (David Fincher). Kore-eda filma em constante tensão. A sentença, ame ou odeie, fica em aberto.
(*) Crônica livremente inspirada do material cedido pela Wild Bunch, incluindo entrevista com o Diretor
RATING: 73/100
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