Sombras da Vida


Em tempos sinistros, David Lowery filma uma história de amor, também de fantasmas: o silêncio através dos cômodos, o ruído através da casa – “há algo lá?”, “o que foi isso?”. O público olha atento enquanto a câmera nos toca e acaricia a alma, o coração ficando acelerado, inflamado, as mãos percorrendo a pele, os lábios se tocando e logo desvanecendo num beijo, num sussurro para depois sumir. Então, um novo dia e mais nada… talvez um lençol… o vazio. O luto. Um filme e uma história. Não sobra muito, mas espere… o toque pálido, o rosto frio, o pano branco a cobrir seus olhos para um repentino acordar. O terror está ali, submerso sob o longo véu, invisível aos outros, insensível ao olhar. Cambaleante pela campina, pela sinfonia, de volta ao lar e ao nada – porque nada restou -, vemos objetos, coisas, mobília. Fotos e silêncio e esse vazio ensurdecedor que invade a casa. Tão pleno. Tão surdo a tudo. Assombrados, o público observa. O fantasma, idem.

Na tela, ele de branco e ela de preto e nada mais entre eles. E por esse jogo de luz e sombra entre duas dimensões, tão minimalista, tão delicado, a câmera estática em longos planos, o enquadramento apertado, o silêncio perturbador, o suspense não dito, o cineasta filma o post-mortem de um casal, ali, nas trevas e na aurora, no real e no etéreo, o lençol amarfanhado e onipresente, dia após dia, a esperar e esperar e esperar até seu limite. A trilha ditando o ritmo em cada sentimento. O amor finito e em tempos de cólera.

“Isso não devia ser tão difícil”. Mas é e se torna cada vez mais doloroso (assombroso?) com o tempo, as horas, as cenas. O piano que ficou para trás. As crianças que surgem do nada. Os cacos. Os estilhaços. O arranhar do batente em busca de uma mensagem subliminar… nada fica. Nada dura. O discurso se torna cada vez mais melancólico, o tempo cada vez mais sutil. E esse cinema vai nos destruindo por completo até não restar mais nada, como um gigantesco trator que invade a casa para demolir cada parede e memória. Nesse ponto, nesse olhar, já estamos perdidos no limbo. Extasiados por uma obra atemporal ou, então, numa história que perdura conosco para sempre. E esse é o fim. O começo. Nossa história…

RATING: 88/100

TRAILER

Article Categories:
FILMES · SUNDANCE · TIFF

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