O Quarto Proibido


Estando eles saciados, disse aos discípulos:
Recolham os pedaços que sobraram,
para que nada se perca.
João 6:12

THE FORBIDDEN ROOM (2015)Eis uma estranha cacofonia, a hipnose que nos extasia, as migalhas de imagem, o som de gramofone que elucida, que supõe, esse cinema de autor, de Guy Maddin. E nesse QUARTO PROIBIDO (seria o cinema?) para ali filmar e nos banhar por aguas tortuosas, a imagem encarquilhada de tempos sombrios, os gritos nuviosos de homens assustados, fantasmas amaldiçoados, enlutados em silencio, escondidos dos deuses, além-mar e sob o mar, para cantar e flertar o destino. Eis sua ruina. O limbo. A armadilha.

Senão, um filme claustrofóbico que flui pelas imagens, pelos sons, por esses personagens aprisionados. A comida por acabar. O oxigênio por lhes faltar. A pressão sobre os ombros. Diante do nada. Para o nada. Mais homens surgem: As sombras, a cor, tudo é difuso, mesmo o passado, essa historia que se conta nas entrelinhas como faziam os primeiros homens, os cineastas de tempos antigos, do cinema mudo, com seus intertítulos e expressões exaltadas.

Um cinema que se percebe em sonho, em pequenos contos, no delírio alucinógeno. As próprias palavras nos guiando pela selva, pelo tempo, nessa projeção que pula de um cenário para outro, de um personagem para outro, escavando nosso cérebro bem fundo. A mesma paixão que nos remete à Fritz Lang, à Eisenstein, à Lynch. Esse surrealismo em close-up, algo da VIAGEM FANTÁSTICA pelo interior da mente, pelo vulcão desses homens, tantos atores reencarnados em vários papeis e aqui subjugados pela amnesia, pelo estalar de dedos que muda tudo, senão pela ousadia de um cineasta que não se cansa de experimentar.

E assim o é na caverna dos peles vermelhas, num cabaré em Tibitabi, na ilha das mulheres esqueletos, num submarino russo ou na banheira de um homem recatado. São os ossos do oficio. A sedução que nos envenena com seus gases sulfurosos, o magma fervente, a demência diabólica. Tantos filmes, tantos gêneros, os lugares (comuns?) genuinamente costurados, para expurgar os sintomas enigmáticos. O trem segue adiante, pelo Evereste, pelas vielas, novas aventuras, terror, romance… A aurora de um cinema que se perdeu, lá longe nos anos 40, 50 ou 60. Toques familiares… lembra? Fragmentos… lembra? Sim… não… sim! Os pássaros cantam para a mãe cega, o pai morto que se foi e volta do além. O rádio toca a guerra perdida. Alguém tosse. A câmera roda, roda e roda. Nos confunde. Nos enlouquece. Não há sentido. Apenas o êxtase. O delírio. Estamos aprisionados nesse pesadelo. Armadilha. Euforia. Festa. Sim, o tal quarto proibido do Barba Azul (Ou bigode), do qual não há qualquer escapatória. Apenas ver e se saciar. E, depois, que recolham os pedaços para que nada se perca. Amém. Amnesia.

RATING: 76/100

TRAILER

Article Categories:
REVIEW · BERLIM · SUNDANCE · TIFF · LOCARNO · MOSTRA SP

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.